2 de jul. de 2009
O pedido
Ele olhou as horas pela décima vez em cinco minutos. Ela estava atrasada. Como sempre. O garçom já viera três vezes oferecer algo para beber, mas estava nervoso demais para começar sem ela. Tinha medo de relaxar demais e esquecer as palavras que ensaiara ou, pior ainda, dizê-las da maneira errada e isso ela nunca perdoaria. Olhou para o relógio novamente e os ponteiros pareciam ter corrido mais meia hora enquanto divagava.
Porque ela nunca conseguia chegar na hora?
Ouviu uma comoção na entrada do restaurante elegante e lá vinha ela, reclamando em voz alta como sempre. Como sempre também seu decote estava muito baixo, a saia muito curta e o cabelo muito esticado. Ainda se lembrava de quando ela era mais natural, do cabelo um pouco ondulado que se enrolava em seus dedos, do rosto com pouca maquiagem e da atitude modesta. Como mudara em poucos anos. A amava ainda, mas às vezes era difícil reconhecer a mulher que lhe despertara o sentimento. Como agora.
Ela vinha por entre as mesas reclamando alto, requebrava demais sobre os saltos demasiadamente altos e olhava para todos os homens do recinto em busca de aprovação para sua presença provocante. Sentou sem ao menos lhe beijar e logo começou a reclamar de seu dia e do transito que enfrentara para chegar até ali. E o que havia dado na cabeça dele para jantar nesse restaurante fora de moda?
Ele a olhava pensando no anel em seu bolso e no champanhe que deveria vir junto com a sobremesa. Ele a amava. Ainda. Tentou sorrir e falar dos planos para o fim de semana, mas ela ainda não terminara. Reclamou do cardápio, da carta de vinhos, do terno que ele usava.
Não havia meio de interromper a reza depois que ela pegava o rosário. Ele respirou fundo e lentamente tirou a pequena caixa do bolso. Deliberadamente a levantou á altura do rosto e imediatamente sentiu a paz o envolver. Finalmente silencio. Ela o encarava de olhos arregalados e boca aberta em um sorriso vitorioso.
Vitorioso. Não feliz.
Ele abriu a pequena caixa e todas as luzes reluziram no belo diamante. Ouviu o ar escapar do peito da mulher a sua frente. Quem era ela mesmo? Fechou a caixa, a colocou de volta no bolso, levantou e deixou o restaurante.
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2 comentários:
Conto bacana, a frase:
"Não havia meio de interromper a reza depois que ela pegava o rosário." é tudo onde ela está.
Rosália Roseiral faz algo parecido com Joãosito O Pusilânime, com uma chave de carro.
Beijo de Maria
gostei do teu conto, divertido e ácido na dose certa
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