16 de jul. de 2009

O Despertar (7° Parte)


Kália não esperou pelas outras, correu sem pensar em seus ferimentos, sem sentir o peso da espada e sem pensar no que faria. Podia ver o fogo tomando as casas e seu coração se encheu de fúria. Longe estava a hora em que se sentira cansada de fazer o sangue jorrar pela terra. Agora tinha sede de sangue. O grito dos inocentes fazia zunir seus ouvidos e dava asas a seus pés.
As casas próximas ao portão estavam em chamas, pessoas corriam para todos os lados aos gritos e alguns poucos tentavam apagar as chamas. Kália parou procurando o intruso, mas este fora infernalmente inteligente em produzir tal pânico tornando impossível localizar um estranho no meio de tantas pessoas correndo, pessoas que Kália nunca vira. Ele poderia ter trocado suas roupas de couro por outras roubadas. Poderia ter se escondido em algum canto escuro esperando o fim da confusão ou ter se arriscado pela noite afora tentando colocar a maior distancia possível entre ele e as guerreiras.
“Senhora!”
Kália se viu frente a frente com o chefe do conselho da cidadela que as havia recebido. Estava pálido e de sua cabeça corria um fio de sangue que corria a face toda. O brilho das chamas fazia o homem parecer amedrontador quando na verdade estava terrivelmente amedrontado.
“Onde ele está? O senhor o viu?” Kália segurou o homem que parecia prestes a desmaiar.
“Eu abri o portão para ver se a luta terminara e ele me bateu com um pedaço de pau e entrou. Matou o homem que estava comigo e correu para a casa mais próxima. Eu tentei gritar, mas...” O homem vacilou em seus braços e Kália o arrastou até um banco ao lado do portão.
“Preciso saber mais, homem, e rápido. Não há tempo a perder a não ser que queira ver toda cidadela em chamas.”
“Não sei mais, o vi sair da casa e logo ela estava ardendo. Deve ter matado todos na casa. Oh, meu deus, Maria e Frido! Meu Deus.... Meu Deus...”
Não adiantava esperar mais, viu suas irmãs chegando carregando as feridas que se apoiaram ao portão ficando de guarda. Kália, Teresia, Inês, Marita, Fres e Lia se separaram e começaram a correr pelas ruas procurando em cada casa, amparando cada ferido.
No meio de todas as vozes Kália ouviu um grito. Uma voz infantil que chamava por sua mãe. Correu em direção da casa e chutando a porta viu o intruso com uma mulher, já morta, em seus braços, o pescoço cortado jorrando sangue pela sala. Agachada a um canto, braços estendidos como se pedisse misericórdia, estava Analice.
O homem jogou a mulher ao chão como se descarta um saco velho e ergueu sua faca para Kália. Era longa, curva e extremamente afiada, mas Kália tinha sua espada e sua adaga. Ele não sairia dali vivo. Ela não deu um passo, não levantou a espada e nem mesmo olhou novamente para Analice. Sua simples presença o deixava em desvantagem, suas roupas, sua herança, sua criação na lei a faziam ser temida e ele tremia. Fácil era matar uma mulher inocente protegida somente pelo amor de uma criança, mas enfrentar uma guerreira em sua plenitude exigia mais coragem que um homem destes possuía.
Mesmo assim ele a atacou primeiro, sua imobilidade o amedrontara a tal ponto, assim recortada à porta com a luz das chamas a lhe pintar de escarlate, que qualquer fim era melhor que os olhos frios da guerreira. Tentou pega-la desprevenida, se jogando ao chão no ultimo minuto para tentar lhe cortar o tendão, mas encontrou somente o vazio. Sentiu o aço frio se afundar em sua coxa lentamente e se virou gritando para vê-la acima dele, olhos de gato, com um sorriso envenenado. Ela retirou a espada tão lentamente quando a enfiara, deixando sua perna em brasa e uma fraqueza profunda que parecia aumentar a cada respirar. Baixando os olhos vu o rio de sangue se misturando ao da mulher. Sangue farto de uma veia vital. E ela ali parada, o encarando como se esperasse por algo.
“O QUE VOCÊ QUER SUA VACA!” E tentou levantar, mas a espada novamente se enterrou em seu corpo devagar, como se fosse uma caricia, agora cortando seu estomago, dilacerando seus intestinos e fazendo com que o sangue subisse até sua boca. “ACABE LOGO COM ISSO, SUA DEFORMADA FILHA DA PUTA!” Mas ela não tinha pressa. A lamina novamente encontrou seu corpo, tão próxima ao coração que ele pensou que enfim deixaria de ver aquela fúria em forma de mulher a lhe encarar como uma deusa vingativa, mas ela aprendera muito bem seu oficio. Ele não morreria rápido, mas desejaria que assim o fosse. E novamente o aço o beijou, gentilmente desta vez, uma fina linha que lhe cortava da orelha ao canto de sua boca. E então ela pareceu satisfeita e se afastou. Tomou a criança nos braços e o deixou para morrer entre o sangue que derramara e o seu que fora derramado.
Continua...
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