19 de mai. de 2009

Nada


Às vezes é mesmo nada. Somente melancolia e esperamos que as pessoas parem de perguntar “O que você tem?”, mas ninguém nunca acredita em “nada”. Às vezes é somente aquela saudade do que não foi, do tanto trabalhado para chegar a lugar nenhum, dos planos que deram para trás e dos que foram em frente, mas por caminhos inesperados. Às vezes é tudo, tão tudo que acaba sendo nada. É aquela sensação de flutuar numa nuvem cheia de pensamentos incompreensíveis que confundem suas intenções e apagam sua vontade. Às vezes é somente nada e a cada vez que nos perguntem “O que você tem?” vem essa obrigação de ser alguma coisa e mergulhamos em nós mesmos em busca de respostas que simplesmente não existem. Às vezes é somente nada.
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16 de mai. de 2009

Passion


Paixão não é amor. Paixão é algo que exige ser saciado, como uma fera na hora do lanche da tarde. Não existe bom senso na paixão, nem limites. No amor se aprende com a convivência, se respeita e admira e o sentimento cresce e evolui podendo durar por uma eternidade. Ou não. Mas a paixão não espera. Não há paciência, somente o desejo desesperado de por fim aquela coceira que parece nunca estar no lugar certo quando se coça. O mal da paixão em nossos dias é que se transforma facilmente em obsessão. Todos querem a rendição imediata do objeto de seu desejo, é como se esquecessem que sentimentos podem não ser retribuídos, que a luxuria pode não ser correspondida. Confundir paixão com amor é o mesmo que achar que pipoca é uma refeição completa e não algo para simplesmente divertir o paladar. É triste ver como as pessoas não sabem mais explorar os benefícios de uma paixão. Com o amor o comprometimento altera vidas, muda rotinas, borra personalidades, mas a paixão pode ser vivida até ser consumida às cinzas sem que nada mude. Uma fogueira imensa e potente que quando se extingue deixa em seu rastro lembranças abrasadoras e a sensação de se estar amplamente saciado. E aqui se deve escrever “Fim”. Nada mais.
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13 de mai. de 2009

Moon

A lua se pendura tão alto no céu que duvido do sol que já ilumina toda minha cidade. É como um fantasma da lua, quase transparente. Suas crateras, vales e pequenos montes colorem de cinza a superfície prateada e me encantam. Como me encantam. Enquanto os carros voam ao meu redor eu somente tenho olhos para ela, a minha velha e bela companheira, e aguardo que a noite chegue para que seu feitiço mais uma vez tire de minha mente as coisas mundanas e me deixe somente com as quimeras. Da janela do meu quarto, que gosto de ter aberta para seu brilho enquanto me aconchego no escuro, já a vi de todas as maneiras. Gosto de sentar na cama, laptop no colo, bem encostada para melhor vê-la entre as dobras da cortina que dança com a brisa. Ela me seduz como nenhum homem nunca o fez, porque o faz sem palavras ou promessas. Eu sinto como se tivéssemos uma ligação, como se entre mim e ela uma escada se materializasse quando duvido de minha insanidade, pois insana sou e feliz por o ser tendo por madrinha aquela que comanda as marés e domina o sonho dos apaixonados. A lua me pede que reflita, não na vida ou no futuro que virá, mas sim no que me espera a cada vez que subo mais um degrau da escada que me leva a ela. Um degrau a cada vez.
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12 de mai. de 2009

Standing Sill

Ela estava absolutamente imóvel e o mundo andava. A Avenida Paulista mais parecia um formigueiro e o inicio da noite era suave e convidativo. As pessoas saiam dos edifícios e logo seus passos se tornavam mais ágeis, seus rostos perdiam a tensão sob a noite morna. A brisa suave varria as mesas na calçada, cheias daqueles protelando o momento de se ver novamente entre quatro paredes. Mas ela permanecia imóvel. Não que a noite não a tentasse, não que não respirasse mais fundo o ar menos viciado do que de seu escritório, mas estar assim imóvel em meio a tanto movimento lhe dava a sensação de ser invisível. As vozes a atingiam como ondas, trechos de conversas chegando a ela como a maré, pedaços de vidas, dramas, comédias, tudo se misturando em uma balburdia surda. Em sua completa exaustão depois de mais um dia de trabalho, sua imobilidade lhe devolvia a percepção do mundo. Na insanidade diária ela muitas vezes se esquecia de apreciar o mundo a sua volta, por mais louco que fosse. Hoje, imóvel, ela se tornava o mundo.
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9 de mai. de 2009

Anjos de Pedra

Sonhando acordada olho por cima do muro e vejo as lapides altas e os rostos pacíficos sugeridos na pedra ou mármore. Passo, agora, todos os dias em frente a este ultimo retiro e é meu sinal de que estou à dois minutos de meu trabalho, mas a cada dia me fascina mais esse vislumbre de mossa mortalidade. Posso quase sentir o sol aquecendo as lapides onde em dia dos mortos muitos se sentam descansando os pés ou aguardando que a memória, sempre falha, os lembre onde seus entes queridos descansam. Posso quase sentir o cheiro das flores esquecidas, murchas e secas à espera que alguém dê a elas o mesmo descanso que àqueles a quem homenagearam. Um portão me deixa entrever a capela pequena por onde andam pessoas com rostos tristes que certamente ainda não sabem como lidar com a perda daqueles que logo repousarão por trás dos muros por onde passo todos os dias. Há algo de incrivelmente relaxante nesse lugar. Talvez seja a inevitabilidade de sua existência. Talvez seja a paz que nada mais pode fazer a não ser reinar nessa terra para onde mortais não podem trazer suas intrigas. O que antes me parecia desolado e deprimente agora me parece encantador. Em meu estupor matinal quase sinto os anjos por sobre os túmulos lançando olhares sábios para nós, pobres mortais, que passamos por estes muros todos os dias.
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