23 de set. de 2008

A Arte da Sedução

Ele estava parado do outro lado da sala. Pela expressão de seu rosto aquela sala lotada de gente, bem vestida e perfumada, poderia bem ser qualquer estação do metrô ou mesmo um elevador lotado. Parecia entediado ou simplesmente indiferente a todos os olhares femininos que tentavam capturar os seus. Não era belo da maneira moderna em que homens parecem mais garotos, mas sim másculo, rosto de ângulos retos, olhos profundos com leves rugas de riso ao redor, boca cheia e que poderia ser cruel ou extremamente sensual. Não parecia interessado em nada, não até que ela entrou. Ao contrario dele parecia extremamente interessada nas pessoas, mas com o distanciamento de quem estuda e não se relaciona. Passeou pela multidão com olhos atentos e parou em um canto com um sorriso nos lábios e os olhos meio serrados, como uma gata olhando para o pires de leite que logo beberia. Girava a cabeça devagar, escutando trechos de conversas, deixando transparecer o que lhe faziam sentir no brilho dos olhos e na curva da boca pintada de um rosa quase transparente. Ele estava diretamente a sua frente, perfeitamente visível por sua altura e porte, mas mesmo assim ela não o olhava. Isso o incomodou, sem que soubesse por que, queria que ela o achasse tão interessante quando aos outros que observava. Ele se aproximou devagar, rodeando como se ela fosse uma presa, andando devagar, dando-lhe tempo de ver que ela captara sua atenção, mas os lábios sorriam da conversa que escutava, sem esconder, entre duas loiras siliconadas e seus acompanhantes. Ele parou a sua frente de testa franzida, se perguntando o que havia nela que o atraia e porque o incomodava que o deixasse em paz como queria que os outros fizessem. E ela o olhou finalmente. E lhe sorriu. Não se apresentou como todas, esperando apressar o passo, mas esperou que ele lhe estendesse a mão e lhe dissesse seu nome e somente então lhe deu o seu como se fosse um presente. E então, como se ele fosse um velho conhecido, lhe contou o que escutava, o que via e o que pensava e ele riu enxergando pelos seus olhos o absurdo das pessoas. A festa chegava ao fim e ele a convidou para irem a um café onde ela poderia contar mais das coisas loucas que passavam por sua cabeça. Na reclusão de seu carro ele reparou como seu perfume combinava com ela e como parecia tão relaxada, sem esperar nada deste encontro a mais do que o café oferecido. Ele a quis naquele momento. Desejou possuir não somente seu corpo, mas o que havia em sua mente. E foi somente então que ela perguntou, denotando pela primeira vez que o havia notado antes que ele lhe oferecesse a mão: “O que fazia tão emburrado naquele canto?” E ele sabia que só havia uma resposta: “Acho que esperava por você.”

20 de set. de 2008

Dever


Recebeu suas ordens com um aceno de cabeça, o rosto sempre o mesmo, duro e decidido, mas por dentro gritava à plenos pulmões em revolta e terror. A sala estava lotada com outros pilotos como ele, todos em suas roupas especiais feitas para suportar a violência da velocidade, que o olhavam com inveja e talvez um pouco de alivio por não terem sido escolhidos.
Deixara sua casa naquela manha com um beijo na testa de sua mulher e vários pelo corpo ainda tão gorducho de seu filho. Pensara que tinha sorte de viver o sonho de muitos, de lutar pela sua pátria e a liberdade do mundo, agora parecia que um pesadelo se insinuava em seu conto de fadas. Não podia mais se ver como o cavalheiro de armadura brilhante que mata o dragão, na verdade se sentia como o feiticeiro cruel que aprecia o sangue inocente desperdiçado. O que pode fazer um homem que jurou obedecer? Como pode dizer que “Não, isso é desumano, nem mesmo pela minha nação, nem mesmo pela minha família. NÃO!”. O dever incutido em cada fibra de seu corpo o fez caminhar até o avião de linhas perfeitas que o aguardava no hangar, uma maquina perfeita de linhas sensuais e apetrechos letais. Duas linhas de homens o esperavam como para dar suas benções, mas o que sabiam eles? Completa ou não a missão ele estaria condenado. Se falhasse seus pares o olhariam com desprezo, se tivesse sucesso seu espírito se quebraria para sempre.
A cabine do avião parecia pequena demais agora, pequena demais para ele e suas duvidas, ele e seus demônios. A ordem fora simples, destruir o esconderijo e tudo à sua volta, a escola, a creche e o centro comunitário onde as mulheres se reuniam para fazer artesanato. Para sua grande nação as perdas são aceitáveis.
A turbina rugiu alto, seu corpo se preparou para ser moldado ao assento pela velocidade. Ele sabia o que fazer e algumas horas depois o fez. Era o seu dever. A merda do seu dever.

15 de set. de 2008

Por trás da teia

Estudar as pessoas é quase um sexto sentido. Não sei se é da minha natureza, se é um habito cultivado ao longo dos anos como uma rede de proteção ou se é algo que simplesmente me diverte imensamente. Minha querida e elétrica chefe sempre acha que julgo muito duramente as pessoas, que vejo teias onde nem mesmo existem aranhas, mas mal sabe ela que eu somente vejo um pouco mais longe do que a maioria das pessoas. As intenções de terceiros ficam cada vez mais evidentes para mim com o passar dos anos. Como qualquer outro mortal da pelota gigante eu frequentemente me engano com as primeiras aparências, aquela-coisa-de-todos-usarmos-mascaras-etc-etc-já-cansei-de-falar-nisso, mas o convívio torna as pessoas bastantes transparentes para mim. Não é bem que as pessoas se mostrem mais, mas sim que é mais fácil ver por baixo da fachada que vez por outra cai. São estas quedas que espero, são os olhares francos, apesar de maldosos, captados num relance. São os gestos de raiva quando deveriam ser de admiração ou felicidade, são os punhos fechados quando as mãos deveriam estar relaxadas. São pequenos detalhes que montam quebra-cabeças humanos que para mim são como teias, mesmo que sem aranhas.

9 de set. de 2008