17 de abr. de 2007

Até que a morte...

Ela o olhava com os mesmos olhos de sempre. Adoradores e ausentes. Muitas vezes ele pensava que ela nem mesmo o via, não o seu eu real, mas aquele com o qual ela sonhava e para o qual respondia perguntas nunca feitas e para quem agradecia carinhos nunca ditos. Ele lhe dizia, claro que dizia já que não suportava mais esse amor, que não podia mais, não a amava, não a queria, mas ela somente o olhava, sonhando com outras palavras como se ele fosse somente um personagem que pudesse ser dublado ao gosto do freguês. Era quase uma tortura diária. Ela telefonava 20 vezes por dia, mandava flores, planejava viagens que nunca fariam, importunava seus amigos e nunca, mas nunca mesmo, se importava com suas respostas ríspidas, sua ira cada vez maior. Ela não via. O amava e só isso importava. O escolhera e não deixaria que ele estragasse o relacionamento de seus sonhos. Ele já não tinha forças para fugir, ela sempre o achava, não tinha forças para lutar contra vontade tão poderosa. Era um mártir que vê a hora do sacrifício chegar sabendo que não há saída, a visão do fim é quase doce. Ele a mandou vestir branco, lhe deu um buquê de flores do campo e uma aliança larga e antiquada. A levou para o campo e em uma trilha, entre arvores centenárias e flores sob os pés, prometeu ama-la até a morte. Ela não sentiu, nem mesmo ouviu a explosão que fez os pássaros fugirem em revoada. Nunca percebeu a arma encostada em seu peito, nem mesmo estranhou as lagrimas desesperadas nos olhos de seu príncipe encantado. Seu coração parou no momento mágico, na hora eterna de sua felicidade. Ela conseguira. Ele era seu até a morte.

16 de abr. de 2007

Pé na Cova Recomenda: CELL

Sempre espero que Stephen King me decepcione. Quase aconteceu com The Colorado Kid, mas acabei entendendo o que ele pretendera com o livro, provar uma teoria, e ele consegue, como sempre. Mas para mim foi um livro fraco e esperei pelo próximo com a sensação de pesar de quem perde um grande amigo. CELL chegou em paperback e o ignorei, um novo Stephen King, grande tentação, possível grande decepção? Medo me fez investir nos antigos King, aqueles com mais edições do que a idade de meus cães, mas CELL continuava na prateleira piscando para mim irreverente. “Me leve... Sou seu... Medo de que, já não nos conhecemos há tanto tempo?” E eu não resisti. Resisti por quase um mês, o deixando de molho na prateleira dos não lidos, mas é um King não lido e parece pulsar cada vez que meus olhos passam sobre ele. O pego. Mastigo a primeira pagina devagar, receosa, sem nunca ter lido sua contracapa para saber que tipo de King era este. Na décima pagina já me agito, é um King, sim, e com gosto de The Stand, apocalíptico, enigmático. Não sei quantos dias levei para lê-lo. Três ou quatro, não mais do que isso, e relendo às vezes capítulos inteiros à procura de pistas, revendo emoções, chorando pelos mortos. Como todo King este me deixou exausta, sofri com cada personagem e a cada morte dolorosa me lembrava de seu conselho aos novos escritores em seu livro On Writing “Kill your darlings! Kill your darlings!”, não somente no sentido de silenciar um personagem, mas de ter coragem de cortar o supérfluo que por vezes nos parece tão bonito, mas é somente floreio desnecessário. Ainda estou exausta. Há dois dias tento abrir um novo livro e não tenho coragem. Tenho medo de tirar de minha cabeça o horror, o amor, o sentimento, a possibilidade assustadora do futuro, a jornada imprevisível, as medidas extremas que podemos tomar quando desafiados, a coragem que nasce no coração dos abandonados, o pulsar que só Stephen king consegue dar. Sem contar que peguei uma certa aversão pelo meu celular.

14 de abr. de 2007

Nos Olhos

Não está estampado na face. Nem tampouco nos cabelos ou na curva suave do pescoço. Nunca verá sinal na postura do corpo ou no formato das mãos. É impossível se adivinhar pela fala que tanto parece coerente. Está, sim, nos olhos. Aqueles olhos insanos e incandescentes que perturbam mas nem sempre denunciam. Loucura. Não a insanidade saudável que, por exemplo, me possui e a muitos de grandes desejos e paixões, mas sim a obsessão que apaga o direito do próximo e descarta qualquer vontade que não a sua. É nos olhos que vemos o fanático religioso mostrar sua verdadeira cara. Onde vemos o ódio escondido por trás do sorriso quando nos negamos a ouvir suas “verdades”. É nos olhos, também, que reconhecemos o mal camuflado de grandes intenções dos terroristas. É nos olhos que vemos a inveja por trás de palavras doces e o sadismo disfarçado de paixão. Somente nos olhos. É nos olhos sedentos que o serial killer se revela e onde o trapaceiro pode ser descoberto. É nos olhos que carregamos todas nossas intenções, boas ou más, e é por isso que devemos manter os nossos bem abertos, para que possamos ver o que se passa em outros olhos.

13 de abr. de 2007

O começo do fim

Você pode apontar exatamente o começo do fim? Será capaz de dizer em que exato momento o amor fechou seus olhos e entrou em coma profundo e irreversível? Lembro-me de relacionamentos que entraram em declínio sem causa aparente a não ser o fim do começo. Inícios são apaixonados. Não questionamos atitudes, não vemos defeitos, não nos preocupamos se os gostos do outro coincidem com os nossos. Somos mísseis teleguiados de paixão, sempre ardentes e ansiosos por atingir um único alvo. O amor chega rápido, se podemos mesmo chamar de amor, mais pela necessidade de amar do que pelo mérito do relacionamento em questão. Somos todos carentes neste século XXI, queremos sentir e possuir e pertencer, mas esquecemos que mais importante que estar acompanhado é estar em comunhão. Corpos podem se excitar com uma variedade infinita de outros corpos, mas mentes... E é assim que o começo do fim se inicia. Quando corpos já saciados não mais se satisfazem somente com o prazer físico e necessitam de mais. Mentes iniciam sua busca por uma parceria que raramente é encontrada, já que nossos corpos fizeram a escolha sem consultar nosso cérebro. Costumamos dizer que os homens pensam com a “outra” cabeça, mas a verdade é que todos pensamos assim nos começos e acabamos nos decepcionando quando descobrimos que retirada a paixão pouco sobra. E a paixão dura pouco, porque o combustível da paixão é o mistério, o desconhecido, o novo, e nada é novo para sempre. Não é, portanto, mistério o sucesso dos relacionamentos de nossos ancestrais. Eles simplesmente não se uniam por paixão. Os namoros eram longos e honestos e os casamentos eram planejados com cuidado por ambas as partes. E quando o amor se tornava morno ninguém desistia e partia para o próximo da lista, mas sim investia no respeito e amizade que levam um relacionamento através de décadas. Você agora pode me dizer quando foi o começo do fim?

12 de abr. de 2007

Amy Winehouse

Amy Winehouse tem atitude. Tem carisma. Tem peito para fugir da mesmice que nos atinge. Mas mais do que tudo, Amy Winehouse tem A voz. Não é para qualquer um, num mundo de musica eletrônica e o pop nojento de Madona e suas seguidoras, Amy é para quem gosta de musica com gosto de passado. Mas escute com atenção, porque suas letras são apimentadas e seu ritmo vicia mais que bala de goma e pipoca. É quente. Como Amy. Seus clips pedem para ser vistos centenas de vezes e a cada vez você a acha menos estranha, menos diferente, mais imprescindível para seu dia a dia. Não, não é para qualquer um, mas com certeza é para muitos e só posso dizer para digitar este nome no You Tube ao terminar de ler este post. Comece com Rehab e daí para Back to Black e depois me avise se ela não te deu vontade de dançar de maneira sensual pela sala (para os meninos eu diria um estalar de dedos e um andar gingado. Tudo muito másculo, é claro). Divirtam-se.

11 de abr. de 2007

Sonhos

Geralmente sabemos o que queremos da vida, mas isso não quer dizer que estejamos certos. Algumas metas não passam de sonho. Outras são sólidas e perfeitamente atingíveis. Não que sonhos não se tornem realidade – que o diga o ganhador da mega-sena acumulada – mas quantas vezes, em quantas vidas, de tantas pessoas que conhece, você já ouviu que um conto de fadas ser transformado em realidade? Alguém pode um dia ter contado que a prima da amiga do sócio do amigo de seu pai realizou seu sonho mais fantástico, mas também quem não ouviu estórias assim? O fato é que sonhar é saudável, contanto que você saiba distinguir entre o que é viável e o que é insanidade cor de rosa vestida de rendinhas dançando o can-can de cabeça para baixo. Nem sempre é fácil aceitar que nossa realidade é medíocre, comparada à nossos sonhos dançarinos, mas o primeiro passo para viver bem consigo mesmo é encarar de frente a rotina e pensar que tem coisa muito pior por ai. Alem do mais, nada impede que você trabalhe em busca de um sonho dourado, em vez de esperar que ele te atropele. Muitas pessoas invejadas não tiveram somente sorte, elas também correram atrás. Ficaram noites sem dormir, sacrificaram fins de semanas e férias, desistiram de gastar boa parte do salário no shopping, esqueceram o que era divertimento, elas se arriscaram. E ganharam. Não sem sacrifício. Sonhar é ótimo, eu sonho demais e meus sonhos dançam o tango, a salsa, o mambo, a valsa e as dances dos 80’s e afins, mas aprendi que muitos deles são somente prelúdios para meus contos, inspirações lunáticas de uma mente tortuosa e torturada, somente sonhos que aliviam a monotonia. Não é fácil se contentar. Não. Mas também não é preciso. Sempre é possível melhorar algo em nossa vida, é possível agregar à realidade algo de nossos sonhos e assim tornar possível que a tal da felicidade bata à nossa porta. Na verdade nada é impossível, somente improvável.

10 de abr. de 2007

Inevitável segundo

Os dias de hoje são tão incertos quanto o horário do Vila Gilda/Ana Rosa na hora do rush. Vivemos o dia a dia sem muita certeza do que virá amanhã e amamos cada vez mais o passado por nos dar a segurança que o presente nos nega. Alias, o que é o presente? Este segundo? Já é passado. Este segundo? Ops, já passou também. Talvez o próximo? Não, este ainda é o futuro. O presente parece ser nada mais do que estes segundos aterradores que antecedem o futuro antes de se transformar em passado. Incertos. Ameaçadores. Fugazes. Mas algumas certezas ainda temos. A terra é redonda e parece querer continuar sendo. A chuva molha, a não ser que você esteja bem abrigado. As arvores perdem suas folhas no outono e florescem na primavera. As estradas estarão entupidas em cada feriado. Os telefones estarão ocupados quando você estiver com pressa. Nos fins de semana a programação de seus 70 canais à cabo é de cortar os pulsos. A moda sempre encontra um jeito de tornar as mulheres ridículas. Os homens sonham secretamente com a poligamia. Pode não parecer muito, mas existe algum consolo em pequenas certezas. O mundo, há muito tempo, já não é um lugar seguro. E talvez a insegurança seja a causa de tantas incertezas, mas não adianta muito se afligir por isso. Passar do passado para o futuro exige coragem, é preciso ultrapassar estes segundos perigosos e incertos e acertar cada passo trôpego, cada tropeço e, mesmo errando um pouco, seguir em frente. Porque a única solução para nossos dilemas mundanos é chegar no próximo segundo. Vivos. Salvos. Esperando pelo próximo inevitável segundo.
...
...
...
Que agora já é passado.

9 de abr. de 2007

Relato de uma noite sem tempo (03/04/2007)

A vela se agita na brisa insuficiente que invade meu quarto. Letras, normalmente já indecifráveis, se transformam em insetos centopéicos. Recostada em minha cama, caderno e caneta apoiados nas pernas, me refresco com o abanar do leque que ainda conserva o perfume de sândalo, um dia tão pungente. Nessa luz suave mais pareço uma dama sulista (Scarlet O’Hara na meia idade) do século passado do que uma mulher moderna e exausta à espera do restabelecimento da eletricidade. Sei que algum drama (nesta época de comunicação rápida não pude deixar de me inteirar) fez com que meu bairro todo voltasse no tempo mais de uma centena de anos. A escuridão caiu sobre as pessoas desavisadas como uma ameaça. Trabalhadores assustados corriam pelas ruas aproveitando os últimos raios de um sol inclemente tentando alcançar a seguranças de suas casas. Eu consegui. Estou em segurança, mas não esqueço o tremor de receio ao encarar ruas negras onde vultos ziguezagueavam como mortos vivos em um filme de terror. Mas em meio à confusão generalizada e aos rostos preocupados eu percebi que na escuridão as pessoas se encontraram. Não há TV, os telefones sem fio estão mortos, as casas são apenas cascas onde pessoas vivem juntas mas desaprenderam a conviver. Na escuridão as ruas se encheram de vizinhos à procura de seus vizinhos. As calçadas viraram bancos e todos trocam informações enquanto se lembram que um dia gostavam de se encontrar para bater um papo. As padarias tem seus balcões cheios e o riso, entre as buzinas irritantes, faz o ar da noite mais leve. Escuto o ressonar suave de meus cães, os passos na rua, o ruído suave de um papel carregado pelo vendo, o maravilhoso burburinho de conversas animadas por toda parte. Sim, a luz faz falta. Meu computador jaz inútil no canto do quarto, minha TV parece triste em frente à cama, meu abajur foi relegado ao chão para dar lugar à vela, mas... Mesmo assim... Fico feliz em ouvir os risos lá fora e a escuridão já perdeu sua malevolência. Tudo está em paz.

Um grito rasga a noite: QUERO ASSISTIR O BBB!
Bem... Nada é perfeito, mesmo na escuridão o mal gosto persiste.