1 de dez. de 2007

O Cão Mais Chato do Mundo


Não, Peter!
Chega, Peter!
Para, Peter!
Frases curtas e comuns em minha casa por quase 17 anos. Peter chegou como uma bola dourada de orelhas marrons e olhos amorosos. Desde o primeiro dia considerou o meu lar o seu. Nenhum gemido de saudades por seus pais ou irmãos escapou naquela primeira noite. Lembro como se fosse ontem como o coloquei atrás de minha cabeça no meu travesseiro e do gemidinho que deu no meio da noite. O levei no seu “banheiro”, caminhando pelo corredor curto com ele bem encostado no meu rosto, o cheiro de filhote fresco ainda impregnado em sua pelagem macia. O coloquei no chão em cima do jornal e depois de terminada sua sessão xixi, levantou o focinho diminuto e ficou me encarando. Acho que para ele o curto corredor parecera uma viagem. O peguei no colo dizendo palavras doces que ficaram perdidas pois já dormia novamente.
Cogitamos muitos nomes. Como fora dado como presente de dias mães para a minha, precisávamos nos curvar à sua escolha, mas não sem luta. Peter foi o nome escolhido e o que mais se ouviu dentro de casa por muitos anos.
Já um adulto ele ganhou uma companheira, única lembrança decente de um ano trágico, e logo mais muitos filhotes pipocavam pela casa. Mas era sempre Peter o senhor do lar. Sempre tratou os outros cães como se fossem cães, já que ele nunca se considerou um. Sua energia foi sempre inesgotável e somente este ano se lembrou de envelhecer. O cão chato, mas apaixonado por seus humanos, de repente perdeu a voz potente e começou a tropeçar nas pernas sempre prontas à galopar pela casa. De filhote passou a velho cão, passando a latir menos, a nos perturbar com pouca freqüência. Nos últimos meses ele entregou seu corpo a meus cuidados, finalmente percebendo que já não podia mais pular em nossos braços. Na ultima semana já nem mais percebia com que carinho eu afagava seu dorso cansado.
Dia 30 de novembro, um ontem que para mim ainda é hoje, ele se entregou a o que quer que exista após a morte e eu fico pensando em quanta saudade de sua voz rouca vou sentir.
Ele era o cão mais chato do mundo, mas o mais apaixonado também. Eu o entreguei para seu descanso com o peito dolorido e a casa parece silenciosa demais, mesmo com meus outros cinco cães me rodeando cheios de preocupação e tristeza. Apesar do cansaço, pois há varias noites não durmo cuidando para que seu fim seja delicado e confortável, não consigo dormir. Tenho medo de que no meio da noite minha mão procure por sua cabeça, como tantas vezes nos últimos tempos, e ache somente o chão que já não está coberto por seu colchão e cobertor.
Peter era o cão mais chato do mundo, mas o mundo não é perfeito e muito menos eu, assim, eu o amo como se houvesse sido.
Bom descanso, meu velho amigo, que Deus o guarde até que possa me receber ai do outro lado. Já sinto sua falta. Com amor. Sua humana, Andréa C

29 de nov. de 2007

”Âme Kalulua, mendigo capaz de produzir incomparáveis belezas. O rei, fascinado, resolve dar ao mendigo a chance de morar em seu palácio e ser muito rico. Mas a riqueza de Âme está em si mesmo. Âme é trancafiado em uma cela até que ceda às ordens do rei e crie todas as maravilhas que puder. Diante do infortúnio, o mendigo inventa para si um mundo mágico onde se concentra toda a beleza - que precisa ser efêmera - para que ele viva!”

Você pode ler a descrição acima, mas nunca estará preparado para a mágica do espetáculo apresentado pela Cia Polichinelo de Teatro de Bonecos.

A luz diminui enquanto 3 figuras em roupas negras caminham pelo meio da platéia portando cajados com pontas que iluminam seus rostos fantasmagoricamente. Suas vozes chegam doces aos nossos ouvidos. Eles prometem uma historia. Eles a contam. E nos enfeitiçam.
No palco, em um cenário medieval, se descortina o drama. Meus olhos não mentem e vejo as figuras encapuzadas de preto por trás dos bonecos absurdamente expressivos, mas meu cérebro foi fisgado. O que registro é somente o que eles planejaram. Os bonecos, de bocas imóveis e rodas por pés, me parecem reais e me perco em seus mistérios sem medo.
Na escuridão eles criam sonhos que nunca acreditei serem possíveis. Seguro a respiração a cada vez que a luz se apaga, sabendo que do negro manto algo colorido e espantoso nascerá e voará em direção ao meu coração.
Cedo demais eles retornam com seus cajados para nos dizer que o fim é iminente, mas que nunca é certo. Para mim, que em pé bato palmas até minhas mãos doerem, existem algumas coisas certas. E estou aqui batendo palmas para uma delas.
Tenho a sorte de conhecer os quatro responsáveis por este espetáculo (vantagens de funcionaria do mundo das artes) e finalmente entendo como puderam tornar esse sonho realidade. Certas pessoas simplesmente tem o coração no lugar certo e sempre vão fazer o possível para que outros vejam um pouco alem do mundano.
Como diria Âme, é somente preciso olhar com os olhos da alma. Eu olhei. E você?

Para os interessados a Cia Polichinelo fará novo espetáculo, A Lenda das Lagrimas, no Sábado às 17 horas no Centro da Cultura Judaica (Rua Oscar Freire, 2500-ao lado do metrô Sumaré). O ingresso cabe no bolso de qualquer um, 1 kl de alimento ou 1 livro em bom estado. Reserve seu ingresso.

5° Ciclo Multicultural do Centro da Cultura Judaica

26 de nov. de 2007


Borboletas no estomago. Eu as sinto, acho que todos nós, os escolhidos, assim nos sentimos nessa noite de domingo. É como um carnaval fora de época. Uma páscoa colorida e exótica. Um natal adiantado e extremamente cintilante.
Na verdade o dia ainda não terminou. A curta viagem de casa até meu destino é feita sob o pôr do sol, entre carros cheios de pessoas pensando em terminar seu fim de semana, mas para mim, e os outros que caminham comigo neste barco de velas estufadas pelo vento da insanidade sadia, é só o começo. Somos insanos, sim. Nosso trabalho é fazer com que outros, perfeitos desconhecidos, se sintam bem, se sintam em sintonia com a cor, a forma perfeita (e a imperfeita), o movimento, a nuance da luz. Com a arte.
Hoje todos nós, e nossas borboletas estomacais, estamos nas pontas dos pés, com todos sentidos alertas, vibrando como a lamina de uma espada de samurai. Hoje é um dia esperado e temido, Um erro, um esquecimento e tudo pode desmoronar como um castelo de cartas. Esperamos que cerca de 700 pessoas terminem o dia pensando em nós, pensando em nosso trabalho e no prazer, talvez efêmero, que lhes demos. Esperamos fazer brotar o riso e o sorriso doce frente às pequenas maravilhas que conseguimos reunir. Somo insanos em esperar tanto, mas o somos com prazer e para dar prazer.
Desde a porta de entrada minha boca se torce num sorriso. Tudo vai dar certo. Tudo DÁ certo. Meus músculos faciais doem, meus lábios já beijaram tantos rostos que meu batom é só uma lembrança, assim como são lembranças as preocupações, os ataques de pânico e o estresse tremendo das ultimas semanas.
Musica, cor, palavras de boas vindas e agradecimento, dança, movimento e beleza suspensos por cordas em um vão coalhado de luz, drinks luxuriantes e petiscos servidos como se fossem jóias, exposições de todos os tipos e para todos os gostos, pessoas em um vai e vem que lembra a maré.
A noite finalmente chega ao fim, mas não a euforia coletiva que nos toma por termos conseguido cumprir nossas metas. O momento é devidamente, e repetidamente, fotografado. Tenho certeza que nosso grito de guerra poderá ser imaginado por qualquer um que veja nossas bocas abertas e nossos olhos brilhantes impressos para sempre em papel fotográfico.
Morfeu me chama de entre os lençóis, sua voz doce me pede que esqueça, por enquanto, o sucesso da noite. Amanhã, que já é hoje, o relógio me avisa, será o dia de comemorar realmente o inicio do 5° Ciclo Multicultural.
Para cada um de vocês, insanos maravilhosos e incansáveis, responsáveis por não somente uma noite divina, mas uma semana inesquecível, meu carinhoso boa noite. Que os louros de suas glorias não espetem suas cabeças durante o repouso mais que merecido.
Beijocas de sua companheira de trabalho.
Andréa Claudia Migliacci

18 de nov. de 2007

Ela fazia tudo sempre igual, como a tal da musica de Chico Buarque, mas parecia que não conseguia ser tão eficiente. No começo achou que seguir uma rotina levaria à perfeição, mas acabou somente a levando ao tédio. A vida inteira se esforçara para ser especial, mas parecia que era somente comum. Via pela TV um mundo maravilhoso e excitante do qual queria fazer parte e ao deitar, ao apagar da TV, chorava pelos sonhos impossíveis que tecia embalada pelas novelas. A cada dia ficava mais difícil aceitar que nunca seria famosa, nunca estaria na capa de uma revista, nunca haveriam fotógrafos a seguindo pela rua. Os Reality Shows tornavam tudo ainda mais difícil, muitos eram como ela, pessoas comuns que chegavam à fama como num passe de mágica. Porque não ela? Os dias passavam lentos, em sua simplicidade, lentos demais, anônimos demais. E então aconteceu. Num dia quente de verão ela voltava para casa correndo, apressada para a novela das oito que começava às nove, quando viu saindo de um hotel o seu mais querido astro. Ele estava vestido simplesmente e parecia apressado, mesmo assim ela o abordou insistente. Pediu um autografo e começou a murmurar palavras de adoração desconexas, mas ele tentou se afastar sem atende-la. Agarrou sua blusa e aumentou a intensidade dos pedidos o que o deixou mais nervoso. “Escute, me desculpe, mas meu filho está no hospital e tenho pressa. Fica para outro dia.” Ele sacudiu o braço se livrando de suas mãos súplices e correu para a beira da calçada em busca de um táxi. Ela ficou parada por somente um segundo e neste segundo sua boca se torceu em um esgar maldoso, seus olhos se apertaram com ódio pelo mundo que a recusava. Ela não se apressou, andou até ele de forma lenta e decidida. De sua bolsa tirou o sapato de salto alto que usava no trabalho e com uma determinação que lhe faltava para tudo na vida, o atacou. Muito longe podia ouvir gritos e só parou quando quatro policiais a jogaram no chão e a algemaram. Seu querido astro jazia em uma poça de sangue, morto pela loucura egoísta de uma fã. Seu filho o esperaria em vão em seu leito de hospital e sua mulher passaria a se deitar em uma cama grande demais para sua tristeza. Mas ela, ah ela... Conseguira o que tanto buscara. Por quase um mês estampou todas as capas de revista, foi a chamada principal dos sites de noticias e falou em microfones de todas redes de TV nacionais e até algumas internacionais. Decidiu escrever um livro sobre sua vida medíocre e viver eternamente como celebridade. Pena que um político resolveu transar com uma garota de programa durante uma noite em uma boate de sexo explicito onde vários celulares registraram a cena. Ela foi esquecida, mas não pela justiça. Ela agora faz tudo sempre igual, como aquela tal, é perigoso fazer diferente na cadeia.

15 de nov. de 2007

Quando Atlas levantou o mundo em seus braços com certeza alguém tentou se sentar em cima da bola gigante para aproveitar a carona.
Existe uma grande diferença entre pessoas poderosas e pessoas com poder. Pessoas chegam ao poder por diversos meios e os mais intrigantes caminhos, mas isso não quer dizer que tenham dentro delas o poder para estar lá. Para chegar ao topo costumam usar qualquer artifício, como subir nos ombros de um amigo poderoso ou pisar nos corpos crédulos dos infelizes que cruzam seu caminho ou mesmo usar de chantagem, furto de idéias e às vezes até um pequeno assassinato. È o mundo cão com o qual acostumamos a conviver, mas isso não quer dizer que seja preciso aceita-lo. Incomoda-me enormemente ver pessoas “com poder” abusando de suas posições pelo simples prazer de diminuir os outros. Parecem sempre adorar apontar os erros alheios, mas se negam a aceitar recriminações, mentindo e jogando seus erros para outros, aqueles pobres coitados em quem gostam de pisar. Essas pessoas gostam de falar alto, o famoso ganhar no grito, por falta total de base em suas idéias. Também adoram usar o “eu” em todas as frases. Eu fiz, eu consegui, mas sempre esquecem dos que foram realmente responsáveis pelo sucesso. Quando são magnânimos e cumprimentam alguém por seu trabalho, tem sempre o cuidado de usar um tom condescendente que mais diminui do que eleva. Pessoas com poder são sempre perigosas, pois somente desejam mais poder em vez de realização. Os poderosos, os poucos e reais que existem no mundo, exigem tanto dos outros quanto de si mesmos e sabem que não chegaram ao topo sozinhos, por isso premiam, festejam o sucesso alheio e incentivam aqueles que estão em posição inferior com sinceridade. Mesmo quando comem seu rabo os verdadeiros poderosos o fazem com tato, minimizando a magoa causada com um “e agora deixemos isso para trás”. Quando se dizem decepcionados despertam nos outros a vontade de lutar e estendem a mão quando é preciso. Infelizmente muitos poderosos são magnânimos e se cercam de pessoas que buscam o poder e voltamos ao inicio...
Vejo cada dia mais pessoas com poder por todo lado e é isso que me leva a apreciar cada vez mais os poderosos de mentes afiadas e instinto preciso e isso me leva a desejar ser sempre a eminência parda por trás do poderoso, o facilitador, o assistente insubstituível e anônimo, que realmente se importa e realmente trabalha por um bem comum e não somente para beneficio próprio. I’m a facilitator and I don’t mind it.

9 de nov. de 2007

O Comercial.
Mulher tipo executiva liga pra o marido “Amor, estou atrazada, me faz um favor? Liga o forno e passa SBP na casa?” É vista em seguida comprando flores e chegando em casa com um sorriso no rosto;
Marido tipo executivo atende telefone “Oi amor, claro que sim.” E depois de ligar o forno passa SBP na casa onde filhos felizes se comportam como diminutos seres humanos.
Agora.... A realidade.
Mulher tipo executiva, desgrenhada de cansaço e com cara de poucos amigos, com a meia desfiada e tentando acertar uma unha lascada com os dentes, liga para o marido.
“Roberto? Faz um favor?”
Homem tipo executivo em fim de dia, suado, moído, meio barbudo, com uma cerveja na mão, responde distraído enquanto procura por algum tipo de esporte na TV.
“Quem é?
“Como assim quem é, seu tapado. É sua mulher; Vê se liga o forno pra esquentar a comida que a empregada deixou e passa a porra do SBP na casa que tá cheio de mosquito e eu não quero pegar dengue.”
“Marta? Você não tá em casa?”
“Claro que não, seu lerdo, tava numa reunião com o incompetente do meu chefe. Como assim eu não tô ai?”
“Achei que você tava na cozinha, ouvi uns barulhos por lá. Quer dizer que o jantar vai atrasar? Mas eu to com fome, Marta...
“Você nem pensou em ver se era eu na cozinha? E se for um ladrão? E onde estão as crianças?”
“Eu gritei que cheguei e você não respondeu achei que tava de TPM. E como podia ser ladrão se eu achava que era você na cozinha? Sua irmã deixou as crianças aqui e disse que você tá criando deliquentes. Como é que liga o forno?”
“Roberto, você é um asno. E quem é minha irmã pra falar mal dos nossos filhos? E a culpa é sua que é um molenga e não dá o exemplo pra eles. E quer ir na cozinha ver quem ta lá? E manda as crianças calarem a boca que dá pra escutar os gritos daqui.”
Um minuto de silencio pesado com recheio de fundo de gritos histéricos infantis.
“Roberto? Roberto! ROBERTO!!!”
“Marta? O cachorro abriu o forno e comeu o jantar.”
“Ahiiiiiiii...”
“Você trás uma pizza, Marta?”
“Roberto, juro que...”
“Juro que passo o tal do SBP. Passa aonde mesmo? Onde aperta esse treco?”
“...”
“Marta?”

4 de nov. de 2007

Podia ler suas mentes com a mesma facilidade com que lia um livro. Para ele era natural, seu povo nascia com este sentido assim como nós, pobres mortais nascíamos com nossos cinco mal usados. Sentava nos telhados durante as madrugadas aprendendo o que movia os seres humanos comuns. Eram tão estranhos seus pensamentos, cheios de ódio, sexo e mentiras. Mesmo lendo tanta futilidade em suas mentes não podia deixar de se sentir fascinado por este povo auto-destrutivo e violento. É desnecessário contar toda sua historia agora, eu a tenho em paginas e paginas que um dia, quando o mundo puder entender uma criatura assim fascinante, espero publicar. Talvez a vejam como ficção e será melhor assim. Ele procurava por alguém, mas seu encontro com Cat estava marcado para futuro próximo. Não hoje. Hoje ele ouvia atento e tentava entender como um povo tão egoísta conseguia sobreviver. De seu lugar no alto do telhado de uma casa em uma rua tranqüila, ele esperava e ouvia e lia mentes que divagavam em pensamentos estúpidos. Ele tentava, muitas vezes, interferir nestes pensamentos, mandar mensagens positivas que aliviariam suas vidas, mas as pessoas resistiam. Pareciam gostar de se sentir miseráveis e transformavam boas noticias em más num piscar de olhos. Uma promoção se transformava num transtorno pelo trabalho a mais que traria. Um novo namoro gerava somente duvidas em vez de perspectivas. Uma gravidez se transformava em preocupação com o peso em vez de uma benção. Ele pensava que todos seres humanos simplesmente careciam bom senso. Já pensava em se recolher quando ouviu, em sua cabeça, um cantarolar suave e meio desafinado. “Não, não era assim. Como era mesmo?” e o cantarolar continuou agora mais firme “Ah, é isso.” Ele sorriu da felicidade que o pensamente da mulher, a simples satisfação de achar o tom certo de uma melodia. Ela subia a rua com um passo gingado que combinava com a musica em sua cabeça e parecia simplesmente alegre nessa hora perdida da noite. Carregava uma sacola pesada e seu rosto parecia cansado por um dia caprichosamente difícil. Ele sentiu, mesmo sem ver, a presença do outro que também a observava, mas não com a sua intenção benigna. O outro saiu das sombras e a atacou quando ela estava no ponto mais escuro da rua. Ele pulou do telhado em um movimento fluido e aterrizou sem que um som o revelasse. Com uma só mão agarrou o outro e o jogou do outro lado da rua onde ele permaneceu sem se mover. Ela o olhava sem medo, somente arfando pelo susto de momento antes. “Obrigada.” Ele acenou com a cabeça e sorriu sem dizer uma palavra. Ela retribuiu o sorriso e olhou para o outro agora fora de combate. “Você é algo assim como um super herói? Voando de telhados e nocauteando bandidos? Não... Você não falaria, mesmo se fosse. Obrigada assim mesmo.” Ela o olhou novamente, sorriu, recolheu suas coisas espalhadas e partiu cantarolando suavemente. Ela a seguiu até sua casa pelos telhados, enviando mensagens de segurança para ela e sentou até o amanhecer em frente à sua casa pensando que era isso que o fascinava nos seres humanos. Viviam em estado de alerta, suas vidas valiam menos que o papel onde seu dinheiro era impresso e mesmo assim... mesmo assim haviam os que ainda podiam cantarolar uma musica suave na escuridão da noite.

2 de nov. de 2007

Existe algo de impressionantemente belo na violência da natureza. Não consigo temê-la, nem mesmo recuar um passo à vista de sua ira. Ao contrario do homem, a natureza solta seus demônios de maneira graciosa e mesmo quando mata, danifica ou destrói, é passível de admiração. Vejo, da minha janela aberta, a tempestade apagar o mundo conhecido e toldar tudo com um manto liquido. Em poucos segundos o vento trás até mim a água pura e me molha da cabeça aos pés. Sinto-me purificada. Pode parecer estranho esta fascinação por uma violência incontrolável e imprevisível, mas sinto, a cada tempestade, como se algo maligno fosse retirado de minha alma e se desintegrasse no vento. É como se eu precisasse destes fenômenos para estripar o que há de potencialmente perigoso em mim. Sei que sou capaz de atos terríveis não fosse o freio da humanidade imposto por séculos e séculos à raça humana, mas sei que somente eles ainda me deixariam com sede de sangue. É preciso uma boa tempestade para que eu me contente com um doce e saboroso chocolate.

12 de out. de 2007

Pela porta entreaberta somente uma réstia de luz entrava. Mas não. Algo mais se insinuava por entre as sombras como brisa. O som da melodia a despertou de um sono monótono onde por cobertas tinha suas preocupações e sonhos despedaçados. Não se levantou e nem mesmo abriu os olhos. Deixou que a musica entrasse por seus poros e inundasse seus sentidos. O piano e o violino duelavam com maestria num combate sem sangue nem dor e ela deixou as lagrimas fluírem, deixou que soluços cortassem sua garganta num pranto sem motivo, a não ser o de que sua vida era por vezes dolorosa, por vezes absurdamente cheia de encruzilhadas. A musica não tinha fim e talvez nunca tenha tido um começo. Sua impressão era que o céu se abrira e despejara notas mágicas para curar almas sofridas como a sua. Nesta noite não era preciso se ter olhos, somente ouvidos atentos para as maravilhas que o silencio podia trazer. E ela ouvia. E chorava. As lagrimas se acabaram docemente, lavando os restos de magoas que pensava esquecidas. O sono chegou para um coração mais leve e quando o primeiro raio de sol rasgou o céu ela dormia com um sorriso no rosto e músculos relaxados. A musica desapareceu entre os dedos da noite sem ninguém notar, mas os corações doloridos acordaram esperançosos no novo dia que nasceu.

1 de out. de 2007


Satisfação nem sempre vem por algo que você faz. Ela pode ser fruto do orgulho por se fazer parte de algo que é belo e sólido. É muito bom ser reconhecido por algo que se faz, mas é melhor ainda quando colhemos louros por um trabalho suado em equipe onde cada um olha para o outro e diz “bom trabalho” sem esperar por retorno, com uma admiração pura e sincera. É a primeira vez em minha vida que me sinto assim. É também a primeira vez que recebo tantos elogios sem que saiba se os mereço, mas os recebo com o coração leve e a certeza cada vez me esforçarei mais para merecê-los. É engraçado sentir essa coceguinha gostosa chamada “realização”, achei que fosse mito, ou mentirinha contada para nos ajudar a seguir em frente, mas existe de verdade e me traz um sorriso bobo nesse rosto cansado. Não é estranho esperar a vida toda por algo que deveria ser uma constante em nossas vidas? Não é estranho passar a vida fazendo tudo certo sem nunca alcançar a satisfação necessária para encontrá-la quando desistimos de procurar e nos contentamos com o ordinário? A beleza da vida é que o inesperado está sempre nos espreitando e não importa se deixamos de acreditar em fadas ou não, o que importa é que na próxima curva toda sua vida pode mudar e você nunca estará preparado. Nunca.

27 de set. de 2007

As noções básicas de cortesia estão perdidas para sempre. Se sairmos dos canais “oficiais” ninguém mais sabe como se comportar ao receber um convite. Vamos a uma aulinha básica. Se receber um convite com as letrinhas mágicas RSPV, saiba que quer dizer Répondez s'il vous plaît, cuja tradução literal é “não seja um asno, responda confirmando sua presença”. RSVP é usado em ocasiões onde o numero de pessoas presentes impacta o planejamento geral do evento. Seja um jantar, coquetel, casamento, batizado ou mesmo um almoço, o organizador se baseará no numero de presentes CONFIRMADOS para preparar os comes e bebes que todos adoram quando são gratuitos. Pensar que sua resposta não fará diferença é a mais alta falta de cortesia que poderá demonstrar para o coitado que teve o desprazer de te convidar. Assim como você, outros tantos pensarão “decido na hora, não fará diferença” ou “confirmo e se não tiver vontade acabo não indo”. BIG NO! Se você for à um jantar e faltar comida ou bebida, certamente sua língua trabalhará a semana toda metendo o pau no anfitrião. E no caso de sobrar, para você não fará diferença, mas quem paga a conta nunca mais o convidará quando souber que o “babaca” resolveu não aparecer. Responder à um certo tipo de convite é simples questão de educação. Não seja um asno.

25 de set. de 2007


O que você realmente confessaria se não tivesse medo de ser escutado por uma mosquinha fofoqueira? Temos, cada um de nós, noções de moral elásticas que se ajustam à nossas necessidades e desejos. Muita vezes, muitas mesmo, condenamos atos que esquecemos achar natural vindo de nós mesmos. Somos sempre melhores, certo? Podemos mais e temos mais discernimento, certo? Mas, agora sinceramente, deixando de lado toda nossa suprema arrogância, me conte, aqui bem ao pé do ouvido ou, se sua consciência pesada o perturba, por trás desta cortina pesada que esconde seu rubor do meu. O que realmente você gostaria de me dizer sabendo que seu nome me é estranho e suas feições desconhecidas? Sussurre em meu ouvido e eu te contarei um segredo.

23 de set. de 2007

Gosto de imaginar que existe algo depois da morte. Depois do ultimo suspiro, do murchar dos pulmões inúteis, do ultimo bombar do coração corroído, doído, pelo tempo. Depois que o corpo encontrar o repouso num ultimo estirar de membros onde o ultimo sinal de que ali uma vida existiu é o crescer incontrolável das unhas e cabelos que ignoram a morte por mais algum tempo.
Depois...
Gosto de imaginar que existe algo depois do túnel de luz branca onde anjos cantam o caminho. Depois das portas, abertas de par em par, da entrada do paraíso (ou o que quer que haja depois para os bons). Depois do reencontro com os entes queridos e os animais de estimação que esperaram pacientemente pela sua chegada.
Depois...
Gosto de imaginar que depois de tudo isso é nos dado a sabedoria de enxergar o que fomos humanos demais para perceber. O sentido das coisas. O motivo oculto. As escolhas que nos foram roubadas. O minuto supremo onde tudo nos é revelado e podemos sorrir de nossas dores terrenas e entender, por fim, que tudo teve sentido.
Depois.
Somente depois.

20 de set. de 2007

Geroge, Oh George!

Não gosto desse calor. Me desconcentra. Fico pensando em uma praia deserta, eu de vestido diáfano e curvas voluptuosas e George Clooney de sunga. Ta bom, sem sunga. Como pensar em qualquer coisa quando Georginho fica passeando na frente da minha subconsciência com as belezas de fora e um copo de Martini na mão? Tenho um milhão de coisas para fazer todos os dias desde que mudei de emprego. Eu mudei de emprego, by the way. Falo com pessoas interessantíssimas, tenho uma chefe maravilhosa e que parece ligada em duas tomadas de 220 o tempo todo, não tenho tempo para pensar em problemas ou contas que se empilham, o que é uma tremenda vantagem quando contas sempre se empilham em sua vida. Mas o que isso importa quando este calor infernal traz George, oh George, com seu copo de Martini e seu rosto másculo sempre na periferia de minha atenção? Não gosto de me entregar fácil às minhas fantasias e resisto bravamente ao copo de Martini estendido em minha direção e ao biquinho beijoqueiro de meu amante imaginário. O trabalho não pode esperar, tudo é urgente e George, como todo bom amante imaginário, compreende e se deita na rede à minha espera. São quase dez horas da noite e posso agora, sorrindo de antecipação, correr para a rede e.... Poor George... A espera foi longa demais. Ou talvez foram os tantos Martinis mexidos, e não batidos, que tomou na sua longa espera. O fato é que meu querido amante dorme e eu, com um suspiro, sento-me aqui, atrás do meu novo laptop (vocês leram “meu novo laptop”?) e penso em George em seu sono comatoso. What the hell, vou eu também tomar um Martini. Espere-me, Mister G!

18 de set. de 2007

Todos tem suas, como é mesmo que dizem, necessidades. Ele tinha a sua. Era como uma compulsão. Lutara a vida toda contra ela, tentara de tudo, remédios, curandeiros, terapia de grupo, hipnose, macumba. Nada resolvera. Depois de anos de frustração e desejo contido acabara por se entregar. Cada um deve enfrentar seu eu interior no espelho e aceita-lo ou viver em uma bolha para sempre. Ele se aceitara. Não que sua necessidade não lhe rendesse sustos. Por tantas vezes escapara por um triz de ser pego que, de tempos em tempos, trancafiava sua compulsão e se comportava como um ser humano normal. Naquela noite, depois de tantas de abstinência, ele saiu pelas ruas sabendo o que faria. Ficou vagando pelo bairro quase adormecido procurando o que precisava para aliviar sua necessidade estúpida e insana. Logo achou e tratou de aliviar a necessidade maligna que o preenchia sempre que perambulava pelas calçadas cheias de gente. Ele não notou que ela se aproximava e nem ela o notou na escuridão da noite. Eram ambos o pesadelo um do outro. Ele o de ser pego com a mão na massa, ela de se encontrar frente a frente com um estranho quando a cidade parecia ter se esvaziado de repente. Ela descia a rua em passos apressados e silenciosos, cortesia de seus tênis que não dispensava para as idas e voltas do trabalho. Ele estava imerso demais no prazer de seu segredo para ouvi-la. Até ser tarde demais. Não há como descrever o que sentiram as duas pobres criaturas presas nas malhas do destino. Ela ficou congelada, presa em seu ultimo passo sem saber se correr ou... Ele, pobre coitado, pego em fragrante delito, pênis na mão, urina correndo solta enquanto um sorriso feliz lhe mudava a face, perdeu todo desejo, para sempre, de escrever em muros com jatos de xixi. Seu prazer secreto descoberto lhe tirava um pedaço da alma e ele chorou de vergonha e frustração. Ela se condoeu de um tão belo espécime masculino pego em tão infantil atividade. O consolou como pode e o constrangimento de ambos se transformou em elo e ele a acompanhou a sua casa. E no dia seguinte também. E no outro. Estão casados agora. Ele já não sente aquela necessidade, só muito raramente, mas então ela o acompanha para ele praticar um pouco de seu xixi caligráfico. E eles viveram felizes para sempre. The end em xixi caligráfico.

16 de set. de 2007

Ele olhava para trás com os olhos tristes e desconfiados de quem já passara por mais do que merecia na vida. Eram olhos cansados, mas no fundo deles um brilho dourado anunciava que, against all odds, ainda havia um resquício de esperança em seu pequeno corpo. Sua perna, aquela que fora quebrada duas vezes, doía demais nesses dias que amanheciam tórridos e terminavam gelados. Seu corpo exigia uma tremenda força de vontade para continuar a se mover, mas ele tinha medo e continuar em movimento parecia a única saída. A voz que o chamava era convidativa, mas não o foram todas as outras? O corte em sua testa ainda sangrava, mesmo depois de 3 dias, e ele chacoalhava a cabeça sem parar para que o sangue não cegasse. Ele estava cansado. Não somente seu corpo parecia querer desistir, mas também seu espírito estava se encaminhando para aquele ponto onde o fim da dor, do desconforto, do medo eram um atrativo maior do que o continuar a viver. E a voz continuava a chamá-lo. Ele não podia andar mais rápido e parecia que quem o perseguia estava cada vez mais próximo. E de repente ele não se importou mais. Isso acontece frequentemente com quem foi maltratado, abusado e jogado pela vida como um pedaço de carne podre. Era hora de parar de fugir. De enfrentar o destino com paz no coração e a esperança que o fim fosse rápido e tão indolor quanto possível. E a voz o alcançou. “Vem cá, garoto. Que foi que fizeram com você?” Mãos doces e cuidadosas o pegaram no colo e o tecido macio do suéter do homem de voz calma o esquentou e o induziu a um estado de torpor que ele pensou ser o prenuncio da morte. Por algum tempo ele sentiu o balanço do andar e o ar da noite pareceu doce. O homem continuava a falar, mas ele já não ouvia as palavras, somente notava a cadencia apaziguadora. Logo parou de sentir a brisa e parecia que estavam dentro de uma casa. Apesar de sentir um começo de curiosidade não conseguiu abrir os olhos. Sentiu seu corpo mergulhar em água morna e perfumada e, depois de ser esfregado com delicadeza, teve seus machucados tratados e sua perna ruim enfaixada. A cama macia veio a seguir, e se isso era o céu, então o paraíso tinha cobertores fofos e coloridos. Ele dormiu. Abriu os olhos para um aposento claro e um som maravilhoso encheu seus ouvidos. Ele sabia que era musica, a ouvia quando olhava para dentro das casas esperançoso. Fechou os olhos novamente pensando que era o melhor sonho que tivera quando ouviu a voz do homem chamando. “Acorda, garoto, você precisa comer.” Foi carregado novamente e o homem até mesmo o ajudou a fazer suas necessidades antes de apresentar uma vasilha cheia de leite com umas coisinhas crocantes e doces que fizeram sua boca arder de desejo. “Comprei umas coisas pra você enquanto tava dormindo, amigão. Que você acha de morar aqui comigo?” O homem começou a lhe mostrar coisas lindas e que ele já vira outros usarem, mas que nunca imaginava que alguém quereria lhe dar. Sentiu algo novo e uma vontade irresistível encheu seu corpo judiado. Pulou nos braços do homem e lambeu seu rosto enquanto abanava o rabo meio torto que Deus lhe dera. O homem riu e o abraçou e foi como sempre imaginara. Isso era o paraíso sim, mas ele estava vivo e achara um humano que tinha um lugar no coração para um cão dedicado como ele. Au au. Isso era o paraíso sim.

18 de jul. de 2007

HellBus


Lá fora chove e chove daquele jeito irritante e desconfortável. Você pensa que pode andar essa meia quadra sem o monstrengo do guarda-chuva, mas percebe que cometeu um erro quando sua roupa já está absolutamente empapada pela garoa do inferno. Mas a chuva não é o que me desagrada nos dias chuvosos. Dã!!!! O pior nesses dias são as pessoas. O mundo de hoje parece ter criado uma horda de ogros, caricaturas de seres humanos, preguiçosos compulsivos e pirralhos agigantados.
Chego e pego uma fila ainda pequena (a terceira em espera), que vai me permitir ir sentada. Espero vários e vários minutos até que o ônibus designado para minha fila chegue. Já lá dentro procuro um lugar longe das goteiras (não faz essa cara, tá cheio de goteira nos ônibus) e me ajeito à janela já com meu livro à postos. O motor ronca mais alto e lá vamos nós. Um ogro adolescente se joga ao meu lado me olhando feio porque cheguei antes e ocupei o melhor assento do banco. Outros ogros adolescentes e vários pirralhos agigantados passam grunhindo para mim, que tento me esconder atrás do livro, como se meu direito ao assento em questão pudesse ser questionado. Ignoro a todos com meu mais plácido semblante matutino e me afundo no meu livro, onde uma batalha na Segunda Guerra parece mais atraente que o Vila Gilda. Caricaturas úmidas chacoalham seus guarda chuvas, como se já não bastassem as goteiras, e fazem chover sobre os pobres mortais que conseguiram se sentar às custas de filas e minutos perdidos.
Nota.
Eu sou uma boa cidadã. Costumo me oferecer para carregar objetos alheios, ofereço meu assento para os mais velhos e até sou bem simpática com os idiotas que batem na minha cabeça quando sento no corredor, mas meu pavio não é muito longo, hu hu, na verdade é meio curto. Tá bom, às vezes é mínimo.
Fim da Nota.
Depois de alguns minutos de muda agressão por parte dos ogros em pé eu finalmente abaixo meu livro. Dirijo-me primeiro à mulher que parece não conseguir enfiar seu guarda chuva em nenhum ligar alem de sobre meu banco “Ou você guarda essa joça ou vou enfiá-la pela sua garganta abaixo.” Gentilmente me retorço no banco para olhar para o pirralho atrás de mim em pé nas escadas que parecia achar que minha cabeça era um bumbo “Se você encostar em mim mais uma vez eu vou arrancar o que você considera ser prova da sua masculinidade. Isso quer dizer que eu vou capar você. Entendeu?”
Durante um minuto estupefato o ônibus ficou em silencio, mas logo risos estouraram e até o ogrinho ao meu lado sorriu para mim. Eu, vermelha e sem graça por ter perdido a calma, me enterro em meu livro novamente e me pergunto se não é hora de comprar uma lambreta.

6 de jul. de 2007

Fatos da Vida

Pastel de feira tem gosto diferente. Parece mais festivo, talvez até exótico. Comer pastel de pastelaria é como comer pizza em Goiânia, completamente sem graça. Talvez sejam os gritos dos feirantes ou as fatias de melancia, abacaxi e afins que vem como sobremesa.

Gadgets! Quem não os ama, quem não os deseja mesmo que não saiba para que vai usa-los? MP3, PenDrives, celulares com mil funções, despertadores que gritam seu nome, telefones que fazem tudo que os anteriores fazem e ainda brilham no escuro, mini estações de entrada USH em formato de bichinhos, maquinas digitais que fotografam em qualquer condição, caixas de som em formato de bolsa para seu MP3, teclados dobráveis, mini mesas para seu laptop e por ai vai. Cada dia que passa descobrimos que não podemos absolutamente viver sem estas pequenas maravilhas o que me leva para um outro fato da vida.

Japoneses podem fazer qualquer coisa. Qualquer país pode inventar algo, mas somente eles conseguem transformar esse algo em magia. Não é somente o fato de conseguirem encolher qualquer treco, que vai com certeza funcionar melhor do que o original, e ainda fazem com que seja uma maravilha para os olhos. São os mestres dos gadgets. São os criadores das melhores inutilidades indispensáveis. Quem não gostaria de se perder Tókio com alguns dólares no bolso? Dizem que são pequenos e por isso criam miniaturas, dizem que seus olhos estão sempre apertados para ver melhor, mas a verdade é que criam tantas coisas incríveis pois tem os cérebros mais privilegiados do planeta.

Não importa o que você leia, mistério, romances, aventuras, biografias, historia, você vai ser uma pessoa muito melhor e mais sabida se puder se educar a ler cada vez mais. Num mundo frases bruscas e toscas, ler cria um mundo a parte, aumenta seu vocabulário, o ensina geografia e historia sem que você perceba. Ler não é somente para os cultos, vide euzinha que devoro livros e não tenho nada de culta, é para todos. Livros ensinam a pensar, induzem a pensar. Livros são chocolate e pipoca para o cérebro, são a maneira de vivermos em um mundo completo que nunca conheceremos. Não são como os filmes onde só podemos ver o que nos mostram, os livros nos conduzem pelos pensamentos dos protagonistas, pelas artérias da trama. Ache seu gênero, seu autor e mergulhe.

Por mais que você seja desencanado e não ligue para o que aconteça quando já tiver feito sua viagem para o paraíso (ou inferno), deve um dia parar para pensar se gostaria que seus pais e avós deixassem o mundo no estado em que está deixando para a posteridade. Fazer algo gentil pela natureza não é frescura, não é gay (coisa que muitos machos parecem pensar), não é inútil porque você é somente um, é imprescindível neste mundo esgotado e esquecido por Deus.

Pipoca, chocolate, batatinha, amendoim, bala de goma, jujuba e similares, não são “besteiras”. Na verdade são parte importante de um gênero alimentício ainda não descoberto e que DEVEM ser inclusos na sua alimentação para o balanço perfeito de sua saúde física e mental. Um dia os japoneses descobrirão isso e contarão ao mundo. Confio neles.

Só para agradar meu irmão: O mar é feito de xixi de peixe.

1 de jul. de 2007

Post Mortem

Para qualquer pessoa a visão seria chocante, talvez até nauseante. Provavelmente lagrimas instantâneas nublassem a vista e espasmos estomacais levariam mãos a cobrirem bocas, corpos se dobrariam em dois enquanto joelhos atingiriam o chão levando dor a um cérebro já sobrecarregado. Mas não para ele. O rosto tingido em tons de púrpura e sangue já não mais parecia pertencer a um ser humano. Os ossos quebrados deformavam a face e lembravam mais um ser saído de um filme de horror. O corpo não estava em melhor estado. “Em frangalhos” poderia bem descreve-lo, mas não diria tudo. Não bastaria para contar da humilhação que fora infligida, do sadismo extremo com que fora tratado, do desprezo pela vida que cada chaga, cada hematoma, cada pequeno rio de sangue gritava em altos brados. Mas seus olhos estavam secos. Enxergava cada pequeno detalhe sem que sua face perdesse a cor rosada ou que seus olhos se espremessem como fazemos quando algo nos choca. A mesa de aço, que parecia tão gelada e imprópria para o repouso de qualquer corpo humano, já estava preparada. Todos seus instrumentos na bandeja brilhavam tão desnecessariamente esterilizados e o gravador aguardava suas palavras que seriam o epitáfio de uma vida perdida tão estupidamente. Seu sanduíche de mortadela, a metade dele que ainda restava, lhe chamou a atenção e o atacou com determinação enxaguado por uma lata de guaraná já meio quente. Seus olhos nunca deixaram o corpo. Sua mente nunca deixou de se perguntar como um ser humano poderia tratar a outro assim. Mas esse era o seu trabalho, como fazer tabelas ou dirigir empresas o eram para outros, e ele se orgulhava de ser um dos melhores. Um arroto quebra o silencio da sala e ele enrubesce. Primeiro sinal de qualquer emoção nesta figura tão fria quanto sua sala. Olha para o corpo e com voz rouca e velha pede desculpas pela grosseria. Só então percebemos que seu coração não está morto, não está intocado pela tragédia que jaz diante dele. Está somente bem abrigado, protegido por anos de tragédias, centenas de corpos maltratados, milhares de vidas destruídas. Seu coração ainda bate como o nosso, mas seu trabalho é mais importante que seus sentimentos. A mão firme que acaricia o rosto pétreo o denuncia novamente e logo nada mais resta a não ser o legista. Ele é a ultima voz que se levantará pelas vitimas.

28 de jun. de 2007

Battlestar Galactica


Não posso dizer que eu seja uma fanática por ficção cientifica, apesar de assistir quase todos os filmes do gênero que não sejam incrivelmente ruins, mas admito que resisti muito até ser convencida, pelo irmão Urso, a assistir Battlestar Galáctica. Não o ouvi por duas temporadas, mas acabei cedendo ao começar da terceira temporada. Ele chegou naquele sábado animado e eu acho que bufei um pouco, meio “Oh, Brother, o que não faço por você. Vamos assistir essa joça e partir pra próxima.” Não foi preciso muito. Logo eu era uma criança irritante lhe exigindo atenção o tempo todo. “Quem é esse? Onde eles estão? De onde vieram? Como os Cylons chegaram ali?” Algumas semanas depois, cansado de mim talvez, ele me presenteou com a primeira temporada. Nessa altura do campeonato eu já ansiava pelos sábados sem pensar no descanso. Só o que me interessava era a chegada das 4 horas e da musica meio etérea da abertura. Numa época de seriados repetitivos, copiados e sem futuro, Battlestar cativa pela profunda verdade por trás da ficção. A política, a natureza destrutiva e combativa do ser humano, a busca de uma comunidade que nem sempre é aceita por todos seus membros. Assisti a primeira temporada em poucas noites. Perdendo horas de sono, acordando para o trabalho com olheiras profundas, mas somente pensando que faltava pouco. Logo eu saberia tudo que importava. Mas claro que eu estava errada. A primeira temporada termina e me deixa num vão escuro e assustador e, apesar de eu saber o futuro que cada sábado me trás, não pude ficar parada. Parto em busca da segunda temporada e não demoro a me separar de meu suado dinheirinho em troca da caixa tão esperada. E é mais do que eu esperava. Muito mais. Esqueço da banalidade da vida enquanto Galáctica salta entre galáxias e Cylons ressuscitam em suas múltiplas copias. Assisto cada capitulo entre exclamações de surpresa, lagrimas de ansiedade e tristeza e muitos palavrões ditos em voz alta, o que parece divertir muito minha mãe no quarto ao lado. Battlestar Galáctica ganhou um lugar em minha rotina há muito tempo desocupado. Aquele lugar especial que guardamos para o que nos toca profundamente. TNT, sábados, 4 horas da tarde.

25 de jun. de 2007

A nova “brincadeira” dos adolescentes é se provocar desmaios. Não um. Não dois, mas às vezes 15 ou 20 em uma só noite. É obvio para quem tem dois olhos, dois ouvidos e meio cérebro que o mundo está indo ladeira abaixo, mas fico pensando como uma geração pode ter decaído tanto em inteligência e bom senso como esta. Intrigada com a pequena noticia sobre o novo modismo eu sai a procura de mais informações e elas pipocam muito naturalmente, como se fossem anúncios de um novo IPod. Apesar de muitas matérias avisando sobre os riscos os jovens continuam brincando. E morrendo. Tragédia? Não. Pura idiotice. Não consigo ter pena de pessoas que brincam com a própria vida e são estúpidas demais ,ou egocêntricas demais, para pesar os danos, para enxergar o perigo. Tragédia é ver o mundo entregue a uma geração que não dá valor nem a própria vida.

21 de jun. de 2007

Festa

Fico pensando se este ano terei sorte. Há muito tempo que festa junina é uma decepção. A ultima parecia mais uma zombaria, uma mal aparada tentativa de vender restos. Barracas e mais barracas de brechós, quentão feito de gasolina (pelo menos foi o que me pareceu quando explodiu em meu estomago) e barracas de cachorro quente e mini pizza(?). Nada de bingo, nada de barracas com brincadeiras, nada de doces típicos ou salgados da roça. Tudo mais sem graça do que TV aberta no fim de semana. Estamos perdendo nossas tradições a passo tão rápido que é até ridículo. Nada mais se parece com antigamente. As musicas das tão queridas festas juninas correm do aché para o funk sem respeito por São João. Ninguém se diverte mais mandando correio elegante para desconhecidos. Tudo é moderno e absolutamente sem graça. Festa junina perdeu sua identidade e daqui a pouco as outras festas também se renderão. Quanto tempo passará até que não nos lembremos mais do que significam e de como eram divertidas? Dizem que a idade gera saudosismo, que tudo parece melhor no passado, que vemos tudo com olhos cor de rosa, mas não é verdade. O passado possuía uma inocência e delicadeza que não podem ser recuperadas. O mundo está velho demais. Os jovens nascem sabendo coisas que deviam ignorar. A ordem é estar sempre à procura, mesmo que não se saiba do que. Não se sabe mais viver, somente se corre de um lado para outro esperando que as experiências sejam boas o suficiente para um dia podermos ser saudosistas. Mas ninguém mais o é. Ninguém mais tem motivo para ser. E se alguém souber de uma festa junina decente, por favor, me avise.

20 de jun. de 2007

Greve de Heróis

Correspondente: Testando... Testando... (click... rewind…) ”Testando…Testando…” Estamos prontos. Podemos começar? Muito bem. Sei que muitas perguntas que farei parecerão agressivas, mas quero deixar claro que só procuro respostas para as mil perguntas que o mundo se faz nesse momento. Ok? Vamos começar. Sei que a pressão de seu trabalho é grande e nem sempre a recompensa é justa, mas não se sentem constrangidos de abandonar as pessoas a sua sorte quando tem poder para minimizar tantas dores?
Super Herói 1: Bem... sim... não... Nem sempre é possível agradar à todos e, bem, meus companheiros e eu, bem...
Super Herói 2: O que meu colega quer dizer é que se nosso trabalho fosse realmente apreciado nunca nos teríamos sentidos desmotivados a continua-lo. Temos sentimentos como qualquer pessoa normal e nos magoamos e zangamos também, mas talvez o que tenha nos levado a abandonar sua raça à própria sorte, como você diz, tenha sido a frustração.
Super Herói 3: É isso ai. É frustrante estar sempre correndo para ajudar um bando de idiotas.
Correspondente: (sentindo cheiro de sangue e atiçando a fera enjaulada) Idiotas? É essa a visão que os Super Heróis tem dos simples mortais?
Super Herói 3: Pode apostar que é. Bilhões de idiotas sem um pingo de bom senso nos seus corpinhos frágeis. Células cinzentas indecisas e burras, é isso que vocês tem na cachola.
Super Herói 1: Não! Não! Não é bem assim. Bem, eu não penso assim, as pessoas são pessoas e eu tenho o maior prazer em ajudar, mas, bem, sabe como é, nem sempre... às vezes... só de vez em quando.... bem...
Super Herói 2: O que meu colega quis dizer por “idiotas” foi que se você tem um corpo tão frágil e um cérebro tão pequeno, não devia se arriscar tanto. 90% do nosso tempo é perdido salvando idiotas, hum hum, quero dizer, pessoas que se arriscam sem necessidade. Enquanto isso pessoas realmente em perigo, e que não se colocaram em situação de perigo por farra, sofrem por não podermos prever quem é “idiota” e quem não é.
Correspondente: Desculpe, mas como assim prever quem é idiota?
Super Herói 3: Eu consigo prever. Quem grita mais alto por socorro é sempre o idiota. O verdadeiro inocente sempre soa absolutamente surpreso. Alem do mais a vitima verdadeira sempre é grata enquanto o idiota, depois do susto, volta a ser um completo idiota agindo como se pudesse ter saído do apuro sozinho.
Super Herói 1: Não é bem assim, ele só está um pouco nervoso. A gente anda muito estressado.
Correspondente: Mas a, huhum, idiotice das pessoas, de algumas pessoas, justifica que deixem o mundo sem proteção?
Super Herói 2: Você nunca deixou de fazer algo por que não lhe dava mais nenhum prazer? Ou porque para você já não funcionava mais? Ou mesmo porque ficou de saco cheio?
Correspondente: Bem... Sim, mas eu não sou super herói.
Super Herói 3: Azar o seu.
Super Herói 2: Nossa condição não dá ao direito às pessoas de abusar da sorte.
Super Herói 1: Eu só tô meio cansadinho...
Super Herói 3: Você tem é o miolo mole. Se não fosse a gente decretar greve geral ainda tava por ai ajudando os idiotas.
Correspondentes: Não existe uma maneira de serem convencidos a voltar?
Super Herói 3: Claro. É só se livrar de todos os idiotas.
Super Herói 1: Não que me incomodem, mas ajudaria muito.
Super Herói 2: É, seria um alivio. A burrice entre seu povo parece estar se espalhando como doença. Erradicar seria inteligente.
Correspondente: Hummmm.... (desligando o gravador) É, seria bem legal. Vocês aceitam ajuda?

19 de jun. de 2007

Serial

Suas mãos eram quase femininas. Lisas e aparentemente macias. No entanto eram estranhamente másculas e meus olhos eram atraídos pelos seus movimentos sinuosos como o canário é atraído pela cobra. Ele não me tocara, não ainda e eu sabia que queria faze-lo, mas deixava suas mãos muito próximas das minhas que descansavam na mesa, dedos entrecruzados, quase como se rezasse. Sua voz macia dizia coisas por vezes chocantes, como se para me testar, mas na maior parte do tempo seu discurso era quase doce. Eu fechei meus olhos por um momento e deixei que todo o resto desaparecesse e pude entender como fora fácil para ele. Sua aparência inocente, sua voz rouca e as mãos que eu sabia fortes eram tudo que precisava. Eu não precisava falar, ele bem sabia quem eu era e o que queria e parecia mais do que disposto a me revelar todo seu magnetismo e, entre linhas, suas intenções. Ele disse algo que me fez sorrir e isso pareceu o agradar muito. Bateu as mãos como uma criança feliz e me sorriu de volta mostrando os dentes perfeitos escondidos pelos lábios voluptuosos. Ele queria que eu o entendesse e eu entendia, mais do que ele gostaria, mais do que eu gostaria. Nem sempre a compreensão do que motiva o próximo nos alivia de nossos medos, talvez só os intensifique. Eu tentei falar, mas adivinhando que eu o deixaria tentou me fazer ficar confessando segredos em voz baixa e urgente, me entregando abruptamente o que por horas se recusara a revelar. Falou de cada detalhe com um prazer perverso, vendo meu rosto perder a cor apesar de meu treinamento, estreitando os olhos ao ver meus músculos se retesarem involuntariamente. E eu soube que era assim que ele agia sempre. Era muito fácil perceber sua excitação crescente ao ver meu desconforto. A dança da conquista finda e a perseguição implacável iniciada. O terrorismo mental, o antecipar o horror da vitima ao contar como terminará antes mesmo que ela saiba, antes mesmo que ela perceba que sua vida não vale mais nada. Levantei de repente sem deixar que ele terminasse e a fúria que se seguiu transformou o príncipe em monstro. As mãos delgadas agarraram meus pulsos e os dois guardas presentes pouco puderam fazer a não ser pedir por socorro. Ele me queria, como quisera as 23 mulheres antes de mim. Ele precisava que meu corpo perdesse o sangue vital, que meu pulmão arfasse em busca do ar, que meus olhos se fechassem para sempre. Nem mesmo na cadeia sua ânsia diminuira. Não era loucura, não era insanidade, era pura fúria. Mais guardas chegaram e eu fui libertada, mãos dormentes e rosto descomposto. Eu sabia o que tinha que fazer. Meu parecer era final. Ele seria julgado, condenado e executado. Eu seria responsável por isso, mas era a única saída. Somente assim eu poderia dormir novamente. Somente assim me sentiria segura.

18 de jun. de 2007

Itch


"Fill what's empty, empty what's full, and scratch where it itches." The Duchess of Windsor

É como um comichão em um lugar impossível de coçar. Dentro de meu cérebro. Eu tento ignorar, o corpo cansado ajuda, mas é como em uma musica clássica, que vem nunca crescendo infinito nunca permitindo que os pratos soem e os tambores rufem para o final magnífico. É um crescendo angustiante. É a inatividade forçada. Parar de escrever foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Mais difícil do que desistir de amar. Ainda mais difícil do que recomeçar a viver. Espantar as mil idéias como moscas incomodas foi torturante. Ignorar a maquina maníaca no canto do quarto com sua tela negra zombando de minha escolha foi ainda pior. Resolvo testar a propriedade da minha resolução e digo na frente de minha família que parei de escrever. Esperava por uma quadra de ases “Não faça isso. Continue.” Mas acabei com um par de setes em uma mesa de jogos altos. Só silencio. É triste como se demora a perceber que uma hora se deve fazer o que gosta sem esperar pela aprovação dos que amamos, nem sempre eles se importam. Nem sempre é importante para eles o que é importante para nós. Demorou para que os emails e comentários dos amigos atingisse o nervo. Eles diziam “Coce! Você é boa nisso. A gente ajuda. Uma coçadinha aqui, uma ali... Não se sente melhor agora?” Sinto-me muito melhor. Obrigada.

Até amanhã.

17 de abr. de 2007

Até que a morte...

Ela o olhava com os mesmos olhos de sempre. Adoradores e ausentes. Muitas vezes ele pensava que ela nem mesmo o via, não o seu eu real, mas aquele com o qual ela sonhava e para o qual respondia perguntas nunca feitas e para quem agradecia carinhos nunca ditos. Ele lhe dizia, claro que dizia já que não suportava mais esse amor, que não podia mais, não a amava, não a queria, mas ela somente o olhava, sonhando com outras palavras como se ele fosse somente um personagem que pudesse ser dublado ao gosto do freguês. Era quase uma tortura diária. Ela telefonava 20 vezes por dia, mandava flores, planejava viagens que nunca fariam, importunava seus amigos e nunca, mas nunca mesmo, se importava com suas respostas ríspidas, sua ira cada vez maior. Ela não via. O amava e só isso importava. O escolhera e não deixaria que ele estragasse o relacionamento de seus sonhos. Ele já não tinha forças para fugir, ela sempre o achava, não tinha forças para lutar contra vontade tão poderosa. Era um mártir que vê a hora do sacrifício chegar sabendo que não há saída, a visão do fim é quase doce. Ele a mandou vestir branco, lhe deu um buquê de flores do campo e uma aliança larga e antiquada. A levou para o campo e em uma trilha, entre arvores centenárias e flores sob os pés, prometeu ama-la até a morte. Ela não sentiu, nem mesmo ouviu a explosão que fez os pássaros fugirem em revoada. Nunca percebeu a arma encostada em seu peito, nem mesmo estranhou as lagrimas desesperadas nos olhos de seu príncipe encantado. Seu coração parou no momento mágico, na hora eterna de sua felicidade. Ela conseguira. Ele era seu até a morte.

16 de abr. de 2007

Pé na Cova Recomenda: CELL

Sempre espero que Stephen King me decepcione. Quase aconteceu com The Colorado Kid, mas acabei entendendo o que ele pretendera com o livro, provar uma teoria, e ele consegue, como sempre. Mas para mim foi um livro fraco e esperei pelo próximo com a sensação de pesar de quem perde um grande amigo. CELL chegou em paperback e o ignorei, um novo Stephen King, grande tentação, possível grande decepção? Medo me fez investir nos antigos King, aqueles com mais edições do que a idade de meus cães, mas CELL continuava na prateleira piscando para mim irreverente. “Me leve... Sou seu... Medo de que, já não nos conhecemos há tanto tempo?” E eu não resisti. Resisti por quase um mês, o deixando de molho na prateleira dos não lidos, mas é um King não lido e parece pulsar cada vez que meus olhos passam sobre ele. O pego. Mastigo a primeira pagina devagar, receosa, sem nunca ter lido sua contracapa para saber que tipo de King era este. Na décima pagina já me agito, é um King, sim, e com gosto de The Stand, apocalíptico, enigmático. Não sei quantos dias levei para lê-lo. Três ou quatro, não mais do que isso, e relendo às vezes capítulos inteiros à procura de pistas, revendo emoções, chorando pelos mortos. Como todo King este me deixou exausta, sofri com cada personagem e a cada morte dolorosa me lembrava de seu conselho aos novos escritores em seu livro On Writing “Kill your darlings! Kill your darlings!”, não somente no sentido de silenciar um personagem, mas de ter coragem de cortar o supérfluo que por vezes nos parece tão bonito, mas é somente floreio desnecessário. Ainda estou exausta. Há dois dias tento abrir um novo livro e não tenho coragem. Tenho medo de tirar de minha cabeça o horror, o amor, o sentimento, a possibilidade assustadora do futuro, a jornada imprevisível, as medidas extremas que podemos tomar quando desafiados, a coragem que nasce no coração dos abandonados, o pulsar que só Stephen king consegue dar. Sem contar que peguei uma certa aversão pelo meu celular.

14 de abr. de 2007

Nos Olhos

Não está estampado na face. Nem tampouco nos cabelos ou na curva suave do pescoço. Nunca verá sinal na postura do corpo ou no formato das mãos. É impossível se adivinhar pela fala que tanto parece coerente. Está, sim, nos olhos. Aqueles olhos insanos e incandescentes que perturbam mas nem sempre denunciam. Loucura. Não a insanidade saudável que, por exemplo, me possui e a muitos de grandes desejos e paixões, mas sim a obsessão que apaga o direito do próximo e descarta qualquer vontade que não a sua. É nos olhos que vemos o fanático religioso mostrar sua verdadeira cara. Onde vemos o ódio escondido por trás do sorriso quando nos negamos a ouvir suas “verdades”. É nos olhos, também, que reconhecemos o mal camuflado de grandes intenções dos terroristas. É nos olhos que vemos a inveja por trás de palavras doces e o sadismo disfarçado de paixão. Somente nos olhos. É nos olhos sedentos que o serial killer se revela e onde o trapaceiro pode ser descoberto. É nos olhos que carregamos todas nossas intenções, boas ou más, e é por isso que devemos manter os nossos bem abertos, para que possamos ver o que se passa em outros olhos.

13 de abr. de 2007

O começo do fim

Você pode apontar exatamente o começo do fim? Será capaz de dizer em que exato momento o amor fechou seus olhos e entrou em coma profundo e irreversível? Lembro-me de relacionamentos que entraram em declínio sem causa aparente a não ser o fim do começo. Inícios são apaixonados. Não questionamos atitudes, não vemos defeitos, não nos preocupamos se os gostos do outro coincidem com os nossos. Somos mísseis teleguiados de paixão, sempre ardentes e ansiosos por atingir um único alvo. O amor chega rápido, se podemos mesmo chamar de amor, mais pela necessidade de amar do que pelo mérito do relacionamento em questão. Somos todos carentes neste século XXI, queremos sentir e possuir e pertencer, mas esquecemos que mais importante que estar acompanhado é estar em comunhão. Corpos podem se excitar com uma variedade infinita de outros corpos, mas mentes... E é assim que o começo do fim se inicia. Quando corpos já saciados não mais se satisfazem somente com o prazer físico e necessitam de mais. Mentes iniciam sua busca por uma parceria que raramente é encontrada, já que nossos corpos fizeram a escolha sem consultar nosso cérebro. Costumamos dizer que os homens pensam com a “outra” cabeça, mas a verdade é que todos pensamos assim nos começos e acabamos nos decepcionando quando descobrimos que retirada a paixão pouco sobra. E a paixão dura pouco, porque o combustível da paixão é o mistério, o desconhecido, o novo, e nada é novo para sempre. Não é, portanto, mistério o sucesso dos relacionamentos de nossos ancestrais. Eles simplesmente não se uniam por paixão. Os namoros eram longos e honestos e os casamentos eram planejados com cuidado por ambas as partes. E quando o amor se tornava morno ninguém desistia e partia para o próximo da lista, mas sim investia no respeito e amizade que levam um relacionamento através de décadas. Você agora pode me dizer quando foi o começo do fim?

12 de abr. de 2007

Amy Winehouse

Amy Winehouse tem atitude. Tem carisma. Tem peito para fugir da mesmice que nos atinge. Mas mais do que tudo, Amy Winehouse tem A voz. Não é para qualquer um, num mundo de musica eletrônica e o pop nojento de Madona e suas seguidoras, Amy é para quem gosta de musica com gosto de passado. Mas escute com atenção, porque suas letras são apimentadas e seu ritmo vicia mais que bala de goma e pipoca. É quente. Como Amy. Seus clips pedem para ser vistos centenas de vezes e a cada vez você a acha menos estranha, menos diferente, mais imprescindível para seu dia a dia. Não, não é para qualquer um, mas com certeza é para muitos e só posso dizer para digitar este nome no You Tube ao terminar de ler este post. Comece com Rehab e daí para Back to Black e depois me avise se ela não te deu vontade de dançar de maneira sensual pela sala (para os meninos eu diria um estalar de dedos e um andar gingado. Tudo muito másculo, é claro). Divirtam-se.

11 de abr. de 2007

Sonhos

Geralmente sabemos o que queremos da vida, mas isso não quer dizer que estejamos certos. Algumas metas não passam de sonho. Outras são sólidas e perfeitamente atingíveis. Não que sonhos não se tornem realidade – que o diga o ganhador da mega-sena acumulada – mas quantas vezes, em quantas vidas, de tantas pessoas que conhece, você já ouviu que um conto de fadas ser transformado em realidade? Alguém pode um dia ter contado que a prima da amiga do sócio do amigo de seu pai realizou seu sonho mais fantástico, mas também quem não ouviu estórias assim? O fato é que sonhar é saudável, contanto que você saiba distinguir entre o que é viável e o que é insanidade cor de rosa vestida de rendinhas dançando o can-can de cabeça para baixo. Nem sempre é fácil aceitar que nossa realidade é medíocre, comparada à nossos sonhos dançarinos, mas o primeiro passo para viver bem consigo mesmo é encarar de frente a rotina e pensar que tem coisa muito pior por ai. Alem do mais, nada impede que você trabalhe em busca de um sonho dourado, em vez de esperar que ele te atropele. Muitas pessoas invejadas não tiveram somente sorte, elas também correram atrás. Ficaram noites sem dormir, sacrificaram fins de semanas e férias, desistiram de gastar boa parte do salário no shopping, esqueceram o que era divertimento, elas se arriscaram. E ganharam. Não sem sacrifício. Sonhar é ótimo, eu sonho demais e meus sonhos dançam o tango, a salsa, o mambo, a valsa e as dances dos 80’s e afins, mas aprendi que muitos deles são somente prelúdios para meus contos, inspirações lunáticas de uma mente tortuosa e torturada, somente sonhos que aliviam a monotonia. Não é fácil se contentar. Não. Mas também não é preciso. Sempre é possível melhorar algo em nossa vida, é possível agregar à realidade algo de nossos sonhos e assim tornar possível que a tal da felicidade bata à nossa porta. Na verdade nada é impossível, somente improvável.

10 de abr. de 2007

Inevitável segundo

Os dias de hoje são tão incertos quanto o horário do Vila Gilda/Ana Rosa na hora do rush. Vivemos o dia a dia sem muita certeza do que virá amanhã e amamos cada vez mais o passado por nos dar a segurança que o presente nos nega. Alias, o que é o presente? Este segundo? Já é passado. Este segundo? Ops, já passou também. Talvez o próximo? Não, este ainda é o futuro. O presente parece ser nada mais do que estes segundos aterradores que antecedem o futuro antes de se transformar em passado. Incertos. Ameaçadores. Fugazes. Mas algumas certezas ainda temos. A terra é redonda e parece querer continuar sendo. A chuva molha, a não ser que você esteja bem abrigado. As arvores perdem suas folhas no outono e florescem na primavera. As estradas estarão entupidas em cada feriado. Os telefones estarão ocupados quando você estiver com pressa. Nos fins de semana a programação de seus 70 canais à cabo é de cortar os pulsos. A moda sempre encontra um jeito de tornar as mulheres ridículas. Os homens sonham secretamente com a poligamia. Pode não parecer muito, mas existe algum consolo em pequenas certezas. O mundo, há muito tempo, já não é um lugar seguro. E talvez a insegurança seja a causa de tantas incertezas, mas não adianta muito se afligir por isso. Passar do passado para o futuro exige coragem, é preciso ultrapassar estes segundos perigosos e incertos e acertar cada passo trôpego, cada tropeço e, mesmo errando um pouco, seguir em frente. Porque a única solução para nossos dilemas mundanos é chegar no próximo segundo. Vivos. Salvos. Esperando pelo próximo inevitável segundo.
...
...
...
Que agora já é passado.

9 de abr. de 2007

Relato de uma noite sem tempo (03/04/2007)

A vela se agita na brisa insuficiente que invade meu quarto. Letras, normalmente já indecifráveis, se transformam em insetos centopéicos. Recostada em minha cama, caderno e caneta apoiados nas pernas, me refresco com o abanar do leque que ainda conserva o perfume de sândalo, um dia tão pungente. Nessa luz suave mais pareço uma dama sulista (Scarlet O’Hara na meia idade) do século passado do que uma mulher moderna e exausta à espera do restabelecimento da eletricidade. Sei que algum drama (nesta época de comunicação rápida não pude deixar de me inteirar) fez com que meu bairro todo voltasse no tempo mais de uma centena de anos. A escuridão caiu sobre as pessoas desavisadas como uma ameaça. Trabalhadores assustados corriam pelas ruas aproveitando os últimos raios de um sol inclemente tentando alcançar a seguranças de suas casas. Eu consegui. Estou em segurança, mas não esqueço o tremor de receio ao encarar ruas negras onde vultos ziguezagueavam como mortos vivos em um filme de terror. Mas em meio à confusão generalizada e aos rostos preocupados eu percebi que na escuridão as pessoas se encontraram. Não há TV, os telefones sem fio estão mortos, as casas são apenas cascas onde pessoas vivem juntas mas desaprenderam a conviver. Na escuridão as ruas se encheram de vizinhos à procura de seus vizinhos. As calçadas viraram bancos e todos trocam informações enquanto se lembram que um dia gostavam de se encontrar para bater um papo. As padarias tem seus balcões cheios e o riso, entre as buzinas irritantes, faz o ar da noite mais leve. Escuto o ressonar suave de meus cães, os passos na rua, o ruído suave de um papel carregado pelo vendo, o maravilhoso burburinho de conversas animadas por toda parte. Sim, a luz faz falta. Meu computador jaz inútil no canto do quarto, minha TV parece triste em frente à cama, meu abajur foi relegado ao chão para dar lugar à vela, mas... Mesmo assim... Fico feliz em ouvir os risos lá fora e a escuridão já perdeu sua malevolência. Tudo está em paz.

Um grito rasga a noite: QUERO ASSISTIR O BBB!
Bem... Nada é perfeito, mesmo na escuridão o mal gosto persiste.

24 de mar. de 2007

Sinto-me hoje como se tivesse sido mastigada e cuspida um milhão de vezes. A semana se arrastou em surpresas e preocupações e percebi como a maldita adrenalina nos sustenta nas horas difíceis. Agüentei firme. Até ontem. O fim do dia se esvaiu junto com os restos dessa maldita adrenalina e eu afundei como um pato que comeu cimento pensando ser açucar. A sensação não é de todo ruim para o espírito. O corpo, essa maquina delicada e potente, não concorda com isso. Cada músculo está gritando revoltado e minha cabeça se recusa a pensar com coerência por mais de alguns minutos. Mastigada e cuspida. Espero que depois de semanas de tensão, entre pressentimentos, agouros e ações, agora eu possa voltar à minha rotina ou pelo menos que possa criar uma nova rotina, já que a velha se rasgou e se atirou ao lixo. Não desisti do blog, ainda não, espero que nunca o faça, mas precisei deste descanso, desse intervalo para poder me entregar completamente à neurose, ao medo e ao pânico. Peço perdão aos amigos que permaneceram fieis mesmo quando eu os abandonei sem desculpas. Estou trabalhando, agora mesmo, em um novo conto para o blog e espero assim me retratar. Será um conto longo, em vários capítulos, como costumava postar e espero que possa cativa-los novamente. Mastigada e cuspida eu me despeço. A semana trará o conto e algumas dicas sobre livros e musica que andei estocando para dividir com os amigos.
Abraços. Beijos. Até breve.

19 de mar. de 2007

Sem despedida

Ele me chamava de senhorita, talvez lendo minha mão nua, talvez adivinhando meu coração solitário. Algumas vezes, quando tinha tempo e parava para mais do que um BOM DIA! esfuziante, me beijava a mão em uma galanteria de outro século. Elogiava minhas roupas, meu novo penteado, meu sorriso matutino e minha disposição eterna para trocar palavras com ele. Pela manhã usava um roupão atoalhado, quente e um tanto gasto, como ele mesmo e a casa dilapidada por trás do portão. Eu o via logo ao virar a esquina de minha rua, catando as folhas da calçada, uma mão na altura dos rins para equilibra-lo. Ele me esperava na esquina. Olhos brilhantes por baixo de sua boina antiquada. 80 anos? 90? Não sei, mas sei que sua voz ainda era firme e suas palavras sempre polidas e embaladas em frases escritas com letras rebuscadas. Gostava de fantasiar sobre seu passado. Poderia ter sido qualquer coisa, mas o imaginava sempre em um fraque e cartola, pois combinava com seu porte principesco e sua educação britânica. Nos fins de tarde usava um roupão de tecido muito masculino por cima de suas roupas e no rosto, mal aplicada, uma base clara e pó compacto, talvez para cobrir o passar dos anos, talvez para esconder algo pior do que somente a idade. No fim do dia eu sempre parava no seu portão para um breve relato do meu dia. O tempo, o transito e o dia no escritório. Sentia vontade de beija-lo e passar os dedos suavemente pela sua face nobre, mas nunca o fiz. Não o vejo mais. A casa, que antes parecia mal cuidada, agora caminha à passos largos para a ruína completa. As persianas quebradas antes tinham charme, agora só me lembram olhos vazios e sem futuro. O jardim selvagem já não tem a mão gentil para o afagar e parece querer tomar cada canto. Meu coração se aperta quando me aproximo e amaldiçôo os dias em que mudei de caminho e o perdi de vista para sempre. Já não há BOM DIA!, nem beijos delicados em minha mão, não há esperança de retorno e nem de despedida. Meu cavalheiro se foi e, mesmo que ainda viva, não retornará. Eu me sinto um pouco mais solitária.

12 de mar. de 2007

Forget me not

Dizem que não sei perdoar, porque digo que perdôo, mas nunca esqueço. Talvez seja verdade, talvez não, acho estou ficando é mais esperta, pois quando esquecemos damos a chance do mesmo individuo nos ferir novamente da mesma maneira. Confiar tem seus limites. Você pode perdoar o erro, a quebra de confiança de um ente querido, mas se entregar novamente é pura burrice. Somos todos imperfeitos, eu pelo menos sei que sou, e também sei que cometo sempre os mesmos erros, peco os mesmos pecados, tropeço nos mesmos degraus. Não me engano pensando que sou somente eu a ter tantos defeitos, ao meu redor tenho provas desse circulo vicioso. São nossas fraquezas, mas em certas pessoas estas fraquezas ferem. São estas pessoas que mais se julgam no direito de ser perdoadas e muitas vezes nem mesmo sabem, ou admitem, que erraram. Por isso perdôo e por isso não esqueço a faca fincada “acidentalmente” em minhas costas. Talvez esquecer fosse melhor, não questionar quando alguém te dá um presente depois de ter conscientemente deixado de te dar uma chance, não se ressentir da alegria de alguém por você ter caído em sua teia de chantagem emocional, não chorar depois que alguém pede desculpas por ser estupidamente egoísta, mas continuando a ser. Ainda não me sinto pronta a esquecer. Perdoar é fácil. Seguir a vida é fácil. Esquecer é impossível.

11 de mar. de 2007

Memória

Quando ela abriu os olhos foi como se fosse pela primeira vez. Não podia se lembrar de como chegara neste quarto esterilizado de hospital. Nem mesmo podia se lembrar do nome pelo qual devia atender. Seu corpo parecia inteiro. Podia mexer pés, pernas, braços e até movimentar o tronco, que mesmo dolorido respondia a seus comandos. Apesar da falta completa de memória, que deveria preocupar ou apavorar qualquer um, ela estava calma. Na verdade sentia um alivio extremo. Fechou os olhos e soltou um suspiro que parecia estar preso em seu peito há muito tempo. Era estranho sentir tanta paz em meio à nuvem que toldava suas lembranças, mas ela não sentia vontade de se redescobrir. Este branco total. O dia se passou entre cochilos e visitas de médicos e enfermeiras que tentavam consola-la e anima-la sem perceber que ela não precisava disso. Estava perfeitamente feliz. Nada é perfeito e, para provar que a felicidade dura pouco, o dia seguinte foi como a tempestade que destrói a colheita, afoga o gado e derruba a casa. Ela acordou para ver a face de um homem debruçado sobre ela. Seu rosto carregava mais irritação do que preocupação. Em seu encalço entraram cinco crianças de idades variadas, mas todas com péssima educação. Ela fechou os olhos para eles e tentou também fechar a mente, mas os gritos infantis e as reclamações de seu marido trouxeram de volta tudo que tão alegremente esquecera. “Mamãe preciso disso, daquilo, quero, me dê, AGORA! AGORA!” e “porque você é tão desastrada? Sabe quanto vou gastar de hospital por causa de sua estupidez? Levante logo e vamos pra casa que as crianças tem fome e eu preciso passe minhas camisas e arrume a bagunça dos últimos dias.” Os médicos nada puderam fazer a não ser libera-la. Chegando em casa ela se lembrou do tombo que levara. A queda pela escada, empurrada por um marido irritado e desequilibrada por filhos endiabrados a quem o marido proibia punir. Ela voltou a seus afazeres, mas seu coração ansiava pelo esquecimento dos últimos dias, da tranqüilidade e paz que não existiam em sua vida. Durante uma semana ela tentou esquecer dos breves momentos de felicidade, mas foi impossível. Um dia, depois de seu marido sair para trabalhar e enquanto os filhos se ocupavam em destruir a casa, pegou um martelo e se nocauteou com um belo golpe. Dessa vez ela ficaria um bom tempo no hospital e com certeza não recuperaria a memória. Com certeza.

8 de mar. de 2007

Dias Dourados

Sinto falta de dias dourados. Os de hoje em dia parecem sempre cobertos por fuligem e fatiga. Falta verdade e esperança nas manhãs e romance e sonhos nos entardeceres. O sol se ergue violento e se põem como uma fornalha tirando qualquer tentação de se admirar sua trajetória. As estações se confundem estragando outonos e primaveras, tornando confusos verões e invernos. O sol se ergue sem magia nessa metrópole de futuro incerto, simplesmente nasce sem enfeitar seus raios de rosa e morre sem dourar o horizonte. Talvez ele tenha se cansado de nossos olhares de relance para sua majestade, talvez não consigamos mais ver a beleza que parece morna e apagada por trás da poluição ardente. Não sei... Mas sinto falta dos dias dourados, quando esquecia do sono para ver os dedos delicados do astro rei se estendendo em minha direção, acariciando meu rosto , nascendo o dia que parecia sempre uma promessa de perfeição. Sinto falta do horizonte em fogo dos finais de tarde, da brisa que parecia trazer o chiar do sol se apagando no oceano distante. Sinto falta de quando os dias possuíam nuances e as noites cheiravam a ar fresco. O verão cada vez mais longo me faz viajar cada vez mais ao passado, onde a vida era mais simples, mais honesta, menos perigosa e repleta de dias dourados.

7 de mar. de 2007

Hell

Não posso nem pensar nos meus próximos dois dias. Não por causa da reunião no Morumbi, que sempre me deprime por causa do transito intenso e do calor que sei que vou passar. Não por causa das pendências que ficam cada vez mais pendentes e irritantes com o passar dos dias. Não por causa da rinite idiota e maldosa que me impede de escrever o tanto que gostaria e de curtir meus scrapbooks. Não. Tudo isso já faz parte do dia a dia. É esperado que a rotina seja irritante e nem tão rotineira assim. O que me perturba, me irrita, me ensandece, é saber que terei dois dias infernais por causa de Bush. O idiota mais famoso do universo não só vem poluir o ar já carregado com sua presença como também vem para se hospedar próximo de meu trabalho e sabe o que isso significa? Centenas de policiais importunando trabalhadores que não conseguirão chegar em seus empregos no horário, transito caótico, ou melhor, mais caótico, irritação constante gerada pela presença perniciosa da besta quadrada. Na verdade duas bestas. Lula trás este presente para São Paulo. Bush. Me pergunto o que não poderia se fazer com todo o dinheiro gasto nesta visita de 24 horas do bobo alegre. Precisamos mesmo que este bully venha por seus olhos sobre nossa já esgotada terra? Oh hell! Amanhã eu não acordarei de bom humor...

3 de mar. de 2007

Retorno

Chamemos de férias, mas não posso dizer que me sinto descansada. O verão, que devia trazer pensamentos luxuriantes, só me cansa e aborrece. Pode me chamar de ranzinza, mas se você não mora na beira do oceano ou ao lado de uma cascata de águas frescas, não há do que se alegrar. Todos meus sentidos se ressentem deste calor infernal. Comecemos pelo tato. Não é possível acariciar pele que não esteja úmida, e não do orvalho da madrugada ou da garoa do outono, mas do suor nada agradável provocado pela estufa em que vivemos. Não se pode sentir prazer em tocar o gelado pois logo ele se amorna de maneira inconveniente e não se pode passar as mãos pelo cabelo recém lavado e arrumado pois ele estará mole e pegajoso. Audição. Todo som parece exausto. Até mesmo o canto dos pássaros é distante e abafado. O asfalto chia como ovos na chapa e a musica tocada ou o dialogo na TV é sempre acompanhado pelo ruído incessante das pás do ventilador. Paladar. Alem de sorvete o que nos dá prazer? A boca seca o dia todo, litros de água lavando nossas entranhas sem resultado, nada de lasanha aos domingos e alface passa a ser um prato muito interessante. O chocolate derrete antes de tocar sua boca e nada de chás e chocolate quente para induzir o sono. Olfato. Que olfato? O aparelho respiratório do ser humano normal entra em colapso com a poluição crescente, o meu simplesmente deixa de existir me deixando com a sensação de um peixe em um aquário sem saber respirar debaixo da água. Sem contar que o odor que cobre a cidade, quando consigo senti-lo, é de exaustão completa. Nem preciso comentar a tragédia dos desodorantes vencidos no ônibus em qualquer hora do dia, ou a mistura explosiva de suor e perfume nos elevadores. Visão. O que dizer da moda que explode pelo corpo das mulheres como um vírus de mau gosto? Não posso negar que ao mesmo tempo em que me dói ver que o bom senso das mulheres afundou mais que o Titanic também me diverte. O que seria da tortura diária da ida e volta ao trabalho sem o pior desfile de moda do mundo? Então... É isso que estive fazendo nos últimos 15 dias. Tentando conviver com uma estação que me desagrada, tentando sobreviver sem respirar, tentando achar graça em um trabalho que já não oferece desafios, tentando achar um caminho só de sombras.

22 de fev. de 2007

Relatório de Carnaval e previsão para os próximos dias:

Rinite muito ruim. Olhos não funcionam. Tosse irritante. Dores no corpo. Estômago revoltado. Visitas e posts adiados. Volto logo. Guardem minha cadeira.

18 de fev. de 2007

Tempestade

O dia não poderia ser mais ensolarado. Na verdade escaldante era a palavra que lhe vinha à mente. Apesar do sapato baixo, da roupa leve e dos cabelos presos, ela sentia-se derreter. Pensara que um passeio pela cidade quase deserta lhe faria bem, mas na verdade já estava mal humorada e não podia pensar, sem estremecer, em todo caminho de volta. A vontade de chorar era grande. Os prazeres simples eram obrigatórios, já que não tinha carro e nem dinheiro para as coisas que realmente gostaria de fazer, mas a cada vez que se obrigava à eles só que havia no final do arco-íris era frustração. Seus pés doíam, suas roupas pesavam, seus olhos turvavam e a cidade começava a parecer mais abandonada do que vazia. Sentou em um banco no ponto de ônibus mais próximo e ficou observando as nuvens de tempestade se aproximando. Ótimo. Poderia acrescentar “molhada” a todos seus outros desconfortos. Um senhor se aproximou com um carrinho de sorvete e a olhou sorrindo. Ele também parecia cansado. “ Dois sorvetes pelo preço de um?” Ela o olhou e, dando de ombros, aceitou. “Não tenha pressa, eu espero até você terminar o primeiro.” Ela escolheu um de limão, para refrescar, e não estava nem na metade dele quando as primeiras gotas começaram a cair. Ficaram, ela e o vendedor de sorvetes, observando a tempestade ganhar força. O vento parecia se animar, conforme o volume de água crescia, e girava e cortava tornando o abrigo do ponto de ônibus uma piada. Nem ela nem o velho se mexeram. Deixaram a chuva os atingir de onde viesse. O sorvete de limão terminou e dessa vez um de chocolate foi a escolha. Ele também se serviu de um e se sentou ao seu lado. Molhados eles viam os raios cortando o céu e os trovões estremecendo os edifícios da avenida. Era quase surreal. Tudo parou de fazer sentido e tudo ganhou um novo significado. Ela respirou fundo deixando toda tensão ser lavada pela água fria e furiosa. O velho somente a observava com um sorriso. O sorvete de chocolate chegou também ao fim e ela se ergueu e caminhou pela chuva sem pensar na distancia a percorrer, sem pensar no desconforto ou o perigo escondido nas poças que mais pareciam lagos. Ela simplesmente voltou para casa que a esperava fresca e nova sob a chuva de verão.

15 de fev. de 2007

Suspicion

Quando ele abriu a porta e o gemido o alcançou pensou que iria morrer. Eles já haviam passado por muitas, mas superado todas. Houveram algumas tentações, mas ambos sempre souberam avaliar muito bem o que tinham e se afastaram sem remorsos da aventura passageira. Haviam chegado a um ponto na vida onde podiam simplesmente aproveitar, podia não haver mais paixão, mas havia respeito e amor. Não tinham filhos, uma opção da qual nunca se arrependeram. Viajavam quase todos finais de semana. Corriam o mundo nas férias. Investiam seu dinheiro sabiamente e unidos se fortaleciam cada vez mais. E agora isso. Um gemido mais alto seguido de um soluço o arrancou do transe em que estava. A imaginou em sua nudez madura e curvilínea, suada e entregue aos braços de um estranho que não saberia o quanto ela poderia ser maravilhosa em dias simples. Esse estranho não saberia que ela ria de olhos fechados, nem que gostava de usar meias para dormir, mas não calcinha. Ele não saberia nada alem da sensação maravilhosa do sexo com uma mulher experiente e fogosa. Novo gemido fez andar. A porta do quarto estava aberta no fim do longo corredor. Podia ver os lençóis desarrumados e o edredom jogado na poltrona onde ela gostava de se enroscar para ler. Não adiantava adiar o fim depois que ele havia começado. Entrou no quarto como um demônio, pronto para destruir e vociferar, mas o que viu o encheu de espanto, alivio e remorso.
- Amor! Me ajuda! Que bom você chegou. Não consegui ir até o telefone.
Ela estava caída ao lado da cama. O tornozelo estava claramente quebrado e a cada pequeno movimento ela gemia de dor. Voltaram do hospital como um casal em lua de mel. Ele a carregou no colo e pediu comida de seu restaurante preferido. Assistiram TV até tarde já que ele decidira não trabalhar no dia seguinte. Ele a seduziu aquela noite. Ela estava surpresa com este fogo inesperado, mas correspondia com paixão. Ele nunca lhe disse. Não poderia dizer que redescobrira a paixão quando pensara tê-la perdido.