31 de jan. de 2008

Depois da Escuridão (parte 4)

Hoje em dia sabemos que o mundo todo está ativo novamente. Se pudéssemos voar longas distancias veríamos vilas espalhadas pelos quatro cantos do globo As ruínas das grandes metrópoles ainda estão por ai, uma ferida eterna que serve como um lembrete para cada um de nós, mas procuramos levar nossas vidas em campos mais férteis e sem a lembrança constante dos fantasmas que ainda rondam estas ruínas.
Não desprezamos as muitas conquistas dos séculos anteriores à grande guerra, mas escolhemos com sabedoria o que queremos de volta em nossa nova realidade. Por um tempo, logo no inicio, homens loucos por um retorno à um estilo de vida que nem mesmo conheceram, tentaram produzir gasolina usando velhas destilarias, na ânsia por experimentar a velocidade que tanto ouviram falar, outros se preocuparam com pólvora para munição de armas que nem mesmo sabiam fabricar, outros queriam glamour e fotografias e filmes em um mundo revestido pela poeira de séculos. Logo estes poucos loucos foram trazidos à razão. Precisamos de arado e não de automóveis, precisávamos de telhados contra as chuvas e não de armas e a razão venceu sem muita luta.
Nos dias de hoje mantemos nosso padrão de vida extremamente simples. Andamos pelo mundo à pé, à cavalo ou em carroças. Usamos gado puxando os arados que revolvem a terra e plantamos as sementes nos ajoelhando na terra. Não usamos dinheiro, vivemos à base de troca de mercadorias e cada vila tem um deposito onde cada morador doa o que pode para o fundo comum e o usamos para negociar com as outras vilas por produtos que não produzimos. Temos tecelãs, ferreiros, barbeiros, médicos, pedreiros, arquitetos, engenheiros, artistas, perfumistas, inventores, cabeleireiras, parteiras. E também temos encanamento, energia solar, asa delta, navios, prensas para nossos livros, engenhocas fúteis, jogos, e geladeiras. Da energia solar tiramos somente o necessário, que é basicamente para as geladeiras e luzes de emergência. Gostamos mais das velas, talvez nossos descendentes tenham passado tanto tempo na escuridão que nos passaram seu temor pela luz e alem disso com muitas luzes acesas mal vemos as estrelas e, sinceramente, porque alguém gostaria de suplantar o brilho destas?
Nós, as guerreiras, não temos um lar fixo. Muitas comunidades cresceram longe dos castelos e por isso corremos o mundo onde nossa presença é necessária para restabelecer a ordem e com isso passamos a maior parte de nossas vidas nas estradas. Mas nos períodos calmos, quando somos feridas ou quando nossos braços não mais arcam com o peso da espada, então voltamos para o castelo onde nascemos e lá ajudamos a cuidar dos filhos de outras guerreiras e finalmente descansamos.
Esse é o retrato generalizado de meu mundo. Talvez agora eu deva lhe contar mais historias. Historias de minha vida e de como me tornei uma guerreira.

29 de jan. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 3)


As colônias se formaram naturalmente. Saídos das profundezas os grupos se mantiveram juntos no primeiro momento. A terra era um lugar estranhamente alienígena e por alguns anos ninguém se arriscou a montar acampamento longe da entrada dos túneis. Nem todos tiveram sorte nestes primeiros anos. Alguns saíram da escuridão para se deparar com desertos onde a água era escassa demais ou em terrenos absolutamente estéreis. Estes desafortunados foram os primeiros a se aventurar à procura de um lugar mais promissor e também os primeiros a ter a confirmação que sobreviventes agora começavam a repovoar a terra. Os primeiros encontros foram cheios de apreensão por ambos os lados, mas misturados com um alivio que logo colocou sorrisos em bocas e estendeu mãos em cumprimentos quase esquecidos.
No começo os abrigos eram sempre provisórios. Todos tinham medo de enterrar raízes que logo poderiam ser arrancadas, mas a ameaça parecia adormecida para sempre e logo vilas foram erguidas em torno de castelos medievais. De certo modo minha irmandade teve muito a ver com a escolha deste estilo de vida. Pelo que se conta, e lá se vão bem uns cinco séculos desde este reinicio, cada comunidade nascida embaixo da terra foi liderada pelas mães e posteriormente por suas descendentes mulheres. Elas cuidaram para que nada da historia se perdesse, foram as guardiãs dos livros reunidos com tanto cuidado, foram as arbitras de tantas disputas e foram elas que propuseram que se tentasse um modo de vida medieval que funcionaria perfeitamente nessa nova terra mais ampla e isenta de tecnologia. Estas mulheres foram responsáveis pela criação da irmandade que hoje governa o mundo. A minha irmandade. Contam ainda que as primeiras guerreiras saíram pelo mundo em busca de novas comunidades para dividir experiências e conhecimento. Dizem que assim tudo começou. A lei veio pouco mais tarde.
Quando a prosperidade e normalidade chegou às vidas dos sobreviventes e seus descendentes, também chegaram aqueles que não queriam gastar o suor do rosto com seu sustento. Nem bem os castelos e suas vilas foram erguidos e logo assaltos e assassinatos começaram a pipocar em uma mensagem clara. O bem sobrevive a tudo, mas o mal também. Antes que houvesse tempo para tais tipos se sentirem confortáveis a irmandade criou a lei. Viver e deixar viver. Dizem que para meio entendedor meia palavra basta, mas existem sempre aqueles que cem palavras não vão convencer. Para estes a irmandade reserva a espada. Ladrões, assassinos, usurpadores, charlatões e delinqüentes não tem espaço no mundo, ou morrem por nossa espada ou se contentam em viver bem longe de nossos olhos.
Cada castelo nesse mundo é nossa casa. Cada aldeia em volta dele é nossa responsabilidade. Não ganhamos nada alem de cama para dormir, comida para alimentar e algodão e couro para nossas roupas. Não somos ricas, temos tudo que é preciso. Não somos donas de nossa vontade, andamos o mundo protegendo os inocentes. Somos filhas de nossas mães e somente isso importa. Temos um destino a cumprir, não é raro nos rebelarmos contra ele, mas nunca lhe damos às costas. Somos guerreiras afinal.

27 de jan. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 2)


Meu nome é Anya. Nasci em um dos castelos da irmandade no que já foi conhecido como América do Sul. Não sei dizer direito em que antigo pais está situada a irmandade a que pertenço, mas temos neve ao sul, desertos ao norte e podemos ir de um oceano a outro em uma ou duas semanas de cavalgada, dependendo de sua pressa e de quanto seu traseiro está acostumada à uma sela.
Nasci quando o mundo já havia saído da escuridão há muito tempo. Já não havia perigo em colher frutos das arvores ou de se plantar sementes na terra e nem mesmo de se tomar água de um riacho. O que chamam de radiação já se dispersara. Já não se falava mais dos que haviam vivido na escuridão dos túneis e muitos nem conheciam suas historias de como haviam ido parar lá, alguns até mesmo ignoravam a grande guerra e se cruzavam com os destroços que a antiga civilização deixara simplesmente lançavam um olhar de tímida estranheza. Certas pessoas simplesmente passam pela vida sem fazer perguntas e não sei se isso é ignorância ou sabedoria.
Cresci no castelo cercada por guerreiras. Aprendi desde cedo que éramos nós as responsáveis por fazer cumprir a única lei que as mães trouxeram do mundo antigo e de suas religiões variadas: Respeitar o próximo, independente de credo, cor, idade ou sexo. Desde que as mães se rebelaram nunca mais o poder voltou às mãos dos homens, éramos nós, o antigo chamado sexo frágil, que carregávamos espadas e usávamos roupas de guerra. Éramos nós que mantínhamos a lei e não permitíamos que os oportunistas desfrutassem do trabalho alheio. Caçávamos os ladrões e os executávamos sem piedade.
Mas talvez tenha me adiantado demais no longo caminho que percorremos desde que saímos das entranhas da terra.
Não sei quantas gerações nasceram ignorantes do mundo exterior antes que pequenos grupos de aventureiros começassem a procurar seu caminho para sol. Muitos nunca voltaram, mas com o tempo alguns conseguiram retornar com noticias, quase mortos pela radiação ainda presente na terra. Quem sabe realmente anos ou séculos se passaram na escuridão: Quantos morreram explorando a superfície ainda podre? Mas o tempo cura todas feridas, até mesmo aquelas causadas pelo homem à terra. Um dia um grupo voltou completo e sadio. A água já corria pura novamente, os frutos cresciam, os animais reproduziam, sabe de onde saídos, a vida voltou à povoar a superfície. E eles subiram.
Acredito que por todo o globo a historia se repetiu. Era o começo novamente e era preciso decidir de que maneira viver neste novo mundo.

26 de jan. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 1)

É um pouco difícil contar historias quando o começo parece tão distante, mas posso dizer que tudo começou pelo fim. O mundo entrou em colapso. Guerras pipocaram como chagas, povos bem intencionados se meteram em paises aonde nunca deveriam ter pisado, terroristas usaram qualquer desculpa à mão para justificar sua sede de sangue, tolos tomaram lados sem pesar as conseqüências, ignorantes jogaram pedras sem pensar em seus telhados de vidro, bombas demais foram carregadas em aviões muito mais velozes que a luz. Bombas demais. E todas elas encontraram seu destino.
É preciso explicar que ao mesmo tempo que o mundo desmoronava e os jovens morriam combatendo sem ter a mínima idéia de por que lutavam, as mães de todo mundo se uniram. Elas já não suportavam perder seus filhos, filhas, maridos, irmãos para a megalomania dos poderosos. Tudo que importava para estes era o dinheiro, o petróleo, a maquina da guerra enchendo os cofres, o poder. As mães então encheram as ruas, se transformaram em guerreiras usando seus utensílios de cozinha para por fim àqueles que nunca se importaram realmente com o caminho da humanidade. Foi por muito pouco que não tiveram sucesso. Em seis meses já quase não existiam políticos e ninguém levantava a voz para ocupar o lugar daqueles que pereciam merecidamente pelas mãos de mulheres finalmente livres da sensibilidade que as impedia de matar de maneira fria e impiedosa. As forças armadas caiam como castelos de carta. Seus generais, almirantes e brigadeiros sumiam no meio da noite e covas rasas surgiam dentro e fora de instalações militares. Ninguém questionava. Não eram somente as mães que estavam fartas de homens covardes ditarem o destino de suas famílias. Cada ditador do mundo, cada terrorista covarde, cada fanático foi caçado e exterminado com a mesma piedade que demonstraram pelo mundo em que viveram. As mães começaram tudo, mas não foram elas que acabaram.
Os últimos homens sentados em assentos presidências, por trás de seguranças trêmulos de medo e portões fortificados prestes a desmoronar, apertaram seus botões vermelhos. Mísseis cruzaram o mundo em todas direções e o começo do fim chegou em uma nuvem radioativa que cobriu o sol por mais de 100 anos.
Eu sou filha daqueles que sobreviveram. Sou descendente de uma das mães que mudaram o mundo. Sou uma guerreira e o que faço é manter o novo mundo livre dos tipos que nos levaram à quase destruição completa. Sou fruto daqueles que conseguiram viver na escuridão, que quase enlouqueceram pela falta de ar livre, de arvores com frutos, de grama sob os pés, de chuva fresca no rosto, de amanhecer e anoitecer, de liberdade. Eles viveram em túneis cavados na terra por tempo demais, mas as mães nunca desistiram, nunca os deixaram esquecer que a esperança estava no futuro e que era preciso que houvessem descendentes para que a terra pudesse ser povoada algum dia. No futuro. E com o tempo a insanidade foi vencida, a escuridão se coloriu aos poucos e o amor uniu aqueles que acreditavam nas palavras sabias de mães que já não tinham filhos.
Eu sou o futuro e vou lhes contar as historias que precisam ouvir.

21 de jan. de 2008

Goodbye Lucky


Ele se foi como veio, envolto em magia.
Ele era minha luz, meu amuleto da sorte, o sorriso no dia triste, meu raio de sol em meio à tempestade. Ele era meu companheiro especial. Ele era o cão mais amado do mundo.
Nunca pensei que meu próximo post seria para dizer adeus a outro de meus companheiros, muito menos ao meu mais amado. Queria dizer mil palavras, mas elas me fogem. Somente penso em sua docilidade e seu amor incondicional que me levaram para frente durante os anos difíceis. Não sei se paguei todo o bem que me fez, nem mesmo sei se retribui todo carinho que me dedicou. Espero que sim. Rezo que sim.
Meu coração está em mil pedaços. Não sei como catar os caquinhos espalhados entre minhas lagrimas. Não consigo deixar de sentir que ele deveria ainda estar comigo. Não consigo deixar de chorar.
Lucky... Sortudo ele foi mesmo, pois o busquei em um lar sem amor e o enchi de mimos merecidos. Mas a verdadeira sortuda fui eu. Lucky me deu 9 anos felizes e eu lhe dei meu coração. Não sei como continuar sem sua presença, mas já perdi tanto na vida que devo achar um meio.
Ele era o cão mais sensível do mundo, o mais amável, delicado e paciente. Ele era mágico. Um anjo peludo e fofo que gostava de me acordar com o focinho em meu ombro e os olhos brilhantes nos meus sonolentos. Lucky adorava batatas e banana e comia uvas como se elas estivessem à beira da extinção. Adorava os outros cães e nunca se intimidou com seus rosnados, os beijava com carinho todos os dias e eles fingiam que não gostavam, mas eu sei bem que agora sentem falta de seu jeitinho moleque. Amava carinhos e rolava de barriga para cima puxando minha mão como se dissesse “ coça mamãe!”. Ele também adorava falar, era só provoca-lo um pouco e lá ia ele em sua cantoria que quase parecia humana. Nunca chorou neste mês difícil que passou até ir para o céu, onde batatas e bananas e uvas serão sempre infinitas, aceitou tudo com a calma de sempre, sem dor, sem mostrar nada mais do que amor em seus olhos de chocolate.
Lucky... Eu fui a sortuda, meu filho querido, eu fui a premiada com a sua presença em minha vida, eu ganhei o premio inesperado de poder andar ao seu lado.
Fica com Deus e me espere com a calma de sempre. Meu amor não morre com você, ele se expande para o universo do qual agora você faz parte.
Te amo, filho.