20 de set. de 2008

Dever


Recebeu suas ordens com um aceno de cabeça, o rosto sempre o mesmo, duro e decidido, mas por dentro gritava à plenos pulmões em revolta e terror. A sala estava lotada com outros pilotos como ele, todos em suas roupas especiais feitas para suportar a violência da velocidade, que o olhavam com inveja e talvez um pouco de alivio por não terem sido escolhidos.
Deixara sua casa naquela manha com um beijo na testa de sua mulher e vários pelo corpo ainda tão gorducho de seu filho. Pensara que tinha sorte de viver o sonho de muitos, de lutar pela sua pátria e a liberdade do mundo, agora parecia que um pesadelo se insinuava em seu conto de fadas. Não podia mais se ver como o cavalheiro de armadura brilhante que mata o dragão, na verdade se sentia como o feiticeiro cruel que aprecia o sangue inocente desperdiçado. O que pode fazer um homem que jurou obedecer? Como pode dizer que “Não, isso é desumano, nem mesmo pela minha nação, nem mesmo pela minha família. NÃO!”. O dever incutido em cada fibra de seu corpo o fez caminhar até o avião de linhas perfeitas que o aguardava no hangar, uma maquina perfeita de linhas sensuais e apetrechos letais. Duas linhas de homens o esperavam como para dar suas benções, mas o que sabiam eles? Completa ou não a missão ele estaria condenado. Se falhasse seus pares o olhariam com desprezo, se tivesse sucesso seu espírito se quebraria para sempre.
A cabine do avião parecia pequena demais agora, pequena demais para ele e suas duvidas, ele e seus demônios. A ordem fora simples, destruir o esconderijo e tudo à sua volta, a escola, a creche e o centro comunitário onde as mulheres se reuniam para fazer artesanato. Para sua grande nação as perdas são aceitáveis.
A turbina rugiu alto, seu corpo se preparou para ser moldado ao assento pela velocidade. Ele sabia o que fazer e algumas horas depois o fez. Era o seu dever. A merda do seu dever.

2 comentários:

Clecia disse...

OI, Andrea!Ótimo texto. Bomfim de semana!

Anônimo disse...

saudades. grande beijo.