20 de jun. de 2009

Engano

“O que você vê?”
Ela o olhou em silencio por um longo tempo. Via muitas coisas, mas não havia nenhuma que gostaria de partilhar com ele. Era uma mão cheia de calos e sangue. O que fazia ali um homem dono uma vida tão violenta? Que esperava ele saber quando era obvio que causava dor e morte todos os dias? Ela via uma vida solitária e triste.
“E então? O que vê? Existe uma parceira pra mim nessa vida?”
Sim, ela via. Uma parceira. Mas como seria essa mulher para acolher uma vida de morte e destruição? Que casal formariam e o que espalhariam pelo mundo?
“Não. Não existe companheira para você. Sua paixão será sua perdição. Fique longe das mulheres.”
Era o máximo que podia fazer. Que seguisse seu caminho em solidão.
O homem saiu cabisbaixo. Era triste não ter ninguém para dividir as noites frias. Era mais triste ainda saber que a velhice chegaria em noites ainda mais frias e ele estaria só. Sua vida era tão cheia de sangue e violência que ao chegar em casa sentia-se vazio. Fora consultar a vidente na esperança que em seu futuro houvesse alguma espécie de sentimento nobre que compensasse sua vida insípida e dura. Mas deveria ter imaginado. Trabalhando há mais de vinte anos em um matadouro, vendo a morte brutal e se banhando em sangue todos os dias, quem o desejaria?
Enquanto ia assim, desamparado e perdido, nem reparou na mulher parada à porta do açougue e que o olhava com ternura. Há 20 anos ela esperava a hora certa de lhe falar e hoje parecia também não ser um bom dia. Ela tentaria lhe falar na próxima vez que ele viesse lhe fazer uma entrega.
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