5 de fev. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 6)

Minha mãe ainda era uma guerreira e, apesar de passar a maior parte das noites com meu pai, chamava de casa o castelo ao pé da montanha. Victor era o nome de meu pai, e assim me chamaria também se houvesse nascido homem, mas nasci mulher e minha mãe me deu o nome de Anya em homenagem a minha madrinha, chefe da guilda de nosso castelo. Seu nome era Anya Lia e o meu Anya Mia e ela sempre me chamou de Mia até o dia de sua morte. Dizia que apesar da homenagem honra-la era muito estranho estar sempre a berrar o próprio nome, e Deus sabe que ela o berrava com freqüência para me repreender pelas minhas traquinagens infantis.
Sempre morei no castelo, apesar de passar meus dias na aldeia e muito desse tempo vendo meu pai forjar espadas para as guerreiras. Adorava ver seu suor lustroso correr pela face afogueada e do reflexo dourado que a forja lançava por todo lado. Sempre me espantava ver seus músculos saltarem como corda cada vez que levantava o martelo e batia no metal quente e mais me surpreendia ver aquele metal disforme se transformar em uma espada reluzente e letal. Ele era um homem especial. Sua força bruta era temida, mas ele preferia usa-la na forja, porem nunca hesitou em lutar lado a lado com minha mãe se preciso. Sua voz era profunda e rica e suas palavras sempre sábias e sabia fazer com que nossa pequena família parecesse perfeita, mesmo que vivêssemos separados, mesmo com minha mãe sempre saindo à galope sem saber se desta vez voltaria viva.
Eu cresci sabendo que um dia teria que tomar uma decisão e para mim não foi fácil pois a vida na vila era tão boa quanto no castelo. Aprendi a forjar quase tão bem quanto meu pai e sabia tecer como uma profissional, mas também sabia lutar em combate corpo a corpo, manejava uma espada desde os 6 anos e era particularmente boa no arco e flecha. Com 12 anos devia escolher se seria uma guerreira e adentraria a irmandade como membro ativo ou se seria simplesmente uma mulher. Talvez eu tivesse optado em ser uma mulher comum não fosse nossa aldeia se tornar alvo da cobiça de homens sem lei.
Me pergunto até hoje por quanto tempo nos observaram, por quanto tempo sonharam em pôr as mãos nojentas em nossas colheitas, quanto tempo nutriram o desejo pelos corpos das mulheres que os desprezavam.
Eles eram numerosos, coisa pouco comum em nossos tempos, pois os bandos costumavam ser formados por poucos homens. Não eram muitos os que tinham coragem de desafiar a lei sabendo que o castigo era a morte. A vigilância constante das guerreiras também tornava difícil que grupos maiores se reunissem, mas de alguma maneira este bando, talvez se aproveitando da vastidão da cordilheira, passara despercebido.
Era o mês de maio e já nos preparávamos para o inverno que estava às nossas portas. O castelo estava cheio de guerreiras finalmente aproveitando um merecido repouso e a vila tinha seus silos e despensas cheios. Os fazendeiros guardavam seus arados e se preparavam para alguns meses de jogos e cantorias e as crianças aproveitavam os últimos dias em que poderiam rolar no solo antes que as guerras de bolas de neve começassem. Tudo parecia perfeito.
Não houve aviso. Estávamos por demais acostumados à paz que o extremo sul do continente nos permitia para manter vigias nos postos. Fomos pegos de calças curtas, como dizem, em um entardecer que parecia à principio perfeito.
O sol morrendo no horizonte nos roubou a visão daqueles que se aproximavam e só os notamos quando já derramavam sangue inocente em nossas portas. O sino de alarme tocou tarde demais. Quando as guerreiras saíram do castelo a vila estava em fogo, os silos e as despensas saqueados e corpos cobriam as ruas antes limpas. Elas eram muitas, mas eles eram simplesmente selvagens. Pareciam saídos de um pesadelo e macularam tudo em que tocaram. Arrancaram o coração dos homens, estupraram mulheres e crianças e os animais que não podiam ser capturados foram mortos com requintes de crueldade.
Foi a ultima vez que olhei para o mundo com olhos inocentes. Foi nesse dia que me tornei a guerreira que serei para sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

... isso só não se parece com o mundo que vivemos hoje, pelo simples fato de hoje usar-se revolver ou punhal al invés de espadas e arco-e-flecha.
Construimos nossas vidas durante toda ela, e alguns infelizes a destroem sabendo que hoje não o levaram a morte, nem mesmo a justiça.

Bejos. e tenha uma boa noite