15 de fev. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 14)

Anya não era de lutar contra moinhos, estava por demais cansada para atacar uma porta sólida como aquela. Fez um giro completo no seu aposento, que não melhorou em nada com a inspeção, e descobriu um banheiro rústico onde somente corria água fria. Ela já tivera dias piores, já tivera que se esfregar com neve, numa imitação de banho, e já se lavará em rios tão barrentos que sua pele mudara de tom por dias inteiros. Despiu a roupa de viagem, dobrando tudo cuidadosamente e guardando na sacola de roupas sujas, e enfrentou a banheira com coragem. Deixou a água correr até perder a ferrugem que a tornava opaca e então enfiou a cabeça debaixo da água gelada. Esfregou os cabelos varias vezes, fazendo caretas e praguejando, pois foi preciso ensaboá-los quatro vezes antes que estivessem limpos. Quando terminou sua cabeça latejava com uma promessa de enxaqueca, mas começava a se sentir humana novamente. Encheu a banheira até o meio e mergulhou o corpo rapidamente. Esfregou o corpo até sentir cada milímetro de sua pele arder, se enxaguou e repetiu tudo novamente. Enrolou-se na toalha e foi para o quarto querendo dormir por pelo menos doze horas. A cama não era nada convidativa e parecia não ser usada a séculos.
Uma guerreira nunca confiava no acaso. Todas carregavam em seus alforjes tudo que precisavam para sobreviver. Anya não era exceção. A toalha que se enxugara, o shampoo, sabonete, bucha que usará vieram de sua bagagem assim como o saco de dormir que agora desdobrava e estendia em frente à porta, bloqueando a passagem de quem quer que tentasse entrar.
A pouca luz que passava pelas frestas da janela morreu e somente o ressonar de Anya era ouvido no quarto que parecia pertencer à outro tempo. Aos poucos, bem ao longe, podia-se ouvir o castelo acordando. Vozes distantes, passos lentos cruzando corredores sombrios, o tilintar de louça soando triste dentro da noite.
Anya abriu os olhos, absolutamente alerta, assim que a chave girou na fechadura. Em dois segundos estava em pé, adaga em punho, esperando por quem viria tirá-la de seu cárcere, mas ninguém entrou. Em vez disso ouviu-se três corteses toc-toc-toc na porta. Anya arrastou o saco de dormir para longe, sem pressa, e voltou para receber o visitante, uma mão na maçaneta, outra atrás das costas segurando a adaga.
Esperando pacientemente do outro lado da porta estava a mulher mais pálida que Anya já vira. Era alta, bem mais alta que Anya que media bem 1,75 mt., tinha longos cabelos negros e olhos de um cinza metálico.
“Boa noite, irmã. Sinto que sua recepção não tenha sido calorosa. Neste fim de mundo parece que esquecemos que pertencemos à uma irmandade, mas deixe-me tentar nos redimir. Meu nome é Enair e sou a mestra deste castelo.”
A mulher estendeu os braços cruzando-os, fechou as mãos em punhos levando os braços ao peito enquanto inclinava a cabeça em um cumprimento antigo somente usado em ocasiões solenes. Era um gesto ao mesmo tempo belo e assustador.
Anya respondeu da mesma maneira se sentindo cada vez mais estranha neste lugar escondido do mundo.
“Bem vinda e que sua estada seja curta e saudável.”
“Obrigada, irmã, mas não sabia que a hospitalidade de nossa irmandade agora exigia estadas curtas. Sou Anya, do sul do continente, do castelo dos Alpes, para lhe servir.”
“Deixe-mos acusações e explicações para depois que matar sua fome, minha cara, mas saiba que somente lhe desejo o melhor. Venha, cuidemos de seu estomago, o resto pode esperar. Por enquanto.”
Anya seguiu sua estranha guia pensando nas mais estranhas palavras, mas a fome a dominava completamente e concordou que seria melhor encarar o que viesse de estomago cheio.
Andaram por corredores vazios passando por salas vazias. Anya podia ouvir movimento pelo castelo, mas em nenhum lugar pode ver uma sombra sequer de outras guerreiras. Finalmente chegaram ao refeitório, mas nele não havia ninguém. Não havia uma viva alma nas inúmeras e imensas mesas que deveriam estar cheias de riso e vida. Não havia festa, nem fofoca, nem travessas fumegantes. Um único prato estava posto na cabeceira de uma das mesas. Um único prato em um retângulo recém limpo de mesa. Todo o resto estava coberto de poeira.

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