“Anya!”
“ANYA MIA!”
“MIA!”
Anya acordou de seu devaneio para ver sua madrinha fingindo uma carranca. Sempre que retornava ao seu castelo costumava se perder em recordações. Era o único lugar onde sabia poder descansar seu corpo e mente. Sua minha casa. Era onde repousavam seus sonhos e seus pais.
“Mia, será que alguma vez na vida você vai responder da primeira vez que eu chamar?”
“Acho que nunca, minha querida madrinha.” E abraçou com carinho aquela que era sua ultima ligação com o passado.
“O que te deixou assim tão avoada, Mia.”
“Estava lendo meu diário. Lembra como eu costumava escrever? Tinha ambições de completar um livro com nossas historias.”
“Sempre achei uma ótima idéia. Você sabe que muitos contam nossas historias, mas ou exageram ou nos tiram o mérito. Porque parou?”
“Tia, há quanto tempo não tenho uma folga?” Olhou a tia que só levantou as sobrancelhas com um sorriso irônico. “Não adianta me olhar com essa cara. Não tô reclamando, foi a vida que escolhi, mas não sou a única em nosso castelo, porque sempre eu sou enviada em TODAS as missões?”
Anya, a mais velha, deixou o sorriso morrer e olhou a afilhada com certa tristeza. Depois da morte de seus pais quase nada restara a Anya Mia senão a espada e a lei. Como sua madrinha, Anya Lia tentara suprir as carências afetivas que sabia Mia sentia, mas a menina em poucos anos se transformara em uma moça reservada e distante. Nos dias de hoje Anya Mia era quase uma lenda entre as guerreiras. Todos sabiam que empunhara a espada no dia que sua mãe morrera, aos 11 anos, e nunca mais a soltara. Enquanto outras se tornavam guerreiras ativas aos 20 anos, Anya Mia com 16 já era escolhida como batedora experiente e muitas vezes como isca. Sua mão nunca tremera na hora de aplicar a lei. Parecia ter gelo nas veias e fogo nos olhos e sua presença em batalha era garantia de vitória. Seu corpo era um mapa de cicatrizes, mas milagrosamente nenhum dos seus ferimentos nunca a deixou de cama por mais de dois dias. E agora, finalmente uma mulher feita, com 28 anos de idade e 16 de batalhas, Anya estava cansada e olhava para o passado com saudades e talvez um pouco de ressentimento.
Anya, a mais velha, via tudo isso em seu rosto pálido de olheiras profundas, na postura cansada dos ombros, no massagear constante do braço da espada.
“Mia, você construiu sua fama. Sabe que se for dado a escolher qualquer guerreira quer lutar ao seu lado. Você se tornou uma lenda, querida. Bem sabe que se pedir poderá tirar um ano de férias merecidas, mas você pede? Não, Mia, você nunca pede porque não consegue ficar sem lutar. Do que tem medo?”
“Medo? Não tenho medo, madrinha, mas lutar é somente o que eu sei fazer.”
“Isso não é verdade. Você sabe escrever com sua alma e não a vejo pegar o papel e pena há tempo demais. A ultima vez que me deu seu diário para ler eu imaginei que em pouco tempo em vez de um caderno existiriam vinte, mas você simplesmente desistiu de tentar achar tempo para isso. Você também forja uma espada como ninguém, mas não a vejo em uma forja há dez anos. Sem contar que tece melhor do que muitas tecelãs, mas prefere se contentar com o que te oferecem em vez de parar um pouco e produzir algo maravilhoso que te ponha um sorriso no rosto. O fato é, Mia, que você luta para não pensar. Não sei do que foge ou porque, mas qualquer atividade que dê tempo ao seu cérebro é descartada. E não culpe aos outros por usarem seus dotes com a espada, você nunca disse não e sempre foi permitido às guerreiras escolher quando tem mais de dez anos de luta como você.”
Anya, a nova, escondeu o rosto nas mãos e se perguntou se ainda saberia chorar. Desde que seu pai morrera parecia estar seca de lagrimas e a dor daqueles que acudia eram tão comuns que aprendera a bloquear toda empatia e fazer a única coisa que podia para consolá-los. Ela lutava.
Mas agora... Tão cansada...
“Madrinha, peça para nossas superioras que me dêem permissão para ficar em meu castelo por um tempo. Já não agüento o cheiro de sangue. Preciso me sentir viva novamente.”
“Claro, querida.” Anya, a velha, ainda tinha lagrimas e as derramou discretamente enquanto abraçava sua afilhada.
Para uma guerreira era preciso ferir para fazer o bem, matar para viver e isso cobra um alto preço. A alma fica pesada, o coração insensível e a mente agitada. É preciso que uma guerreira pare constantemente para redescobrir como sentir e talvez, se tiver sorte, a amar.
7 de fev. de 2008
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