8 de fev. de 2008

Depois da Escuridão (Parte 9)

Os primeiros dias do merecido descanso de Anya foram um tanto confusos. Foi preciso procurar substitutas para suas missões e se acostumar novamente com a rotina que era bem diferente da de um acampamento. Como há muito tempo suas temporadas no castelo se resumiam a uma ou duas noites era tratada como uma visitante e, portanto não participava das tarefas obrigatórias às residentes e agora era preciso encaixá-la no quadro de rodízio de tarefas. Provisoriamente Anya ficou na cozinha, onde nunca existiam ajudantes suficientes, até que escolhesse uma posição em aberto que gostaria de ocupar durante sua estadia. Para as guerreiras, quando residentes, nenhum trabalho era imposto, mas era obrigatório que se responsabilizasse por algum trabalho que contribuísse para a vida comum.
Anya descobriu novamente o quanto gostava da vida agitada do castelo. Nunca haviam mãos suficientes para o tanto que havia a ser feito e o ruído de risadas enchiam o ar a todo momento. Garotas de todas as idades seguiam as guerreiras de passagem implorando por historias e velhas senhoras, carregando as cicatrizes das batalhas com orgulho, se sentavam também para ouvir e derramavam lagrimas escondidas relembrando quando ainda podiam manejar a espada. O refeitório era uma algazarra organizada, ninguém nunca faltava a uma refeição pois sempre era possível se encontrar com irmãs que há muito não se via. O refeitório era quase como um centro de controle do castelo pois era o único lugar onde se reuniam todas ao mesmo tempo.
Em seu primeiro dia Anya se viu rodeada de muitas irmãs da época de treinamento e se viu rindo e conversando como há muito não fazia. Em suas visitas rápidas quase nunca descia ao refeitório, pois o cansaço vencia a fome e passava sua estadia em um sono comatoso para ganhar a estrada novamente de alforje cheio e coração vazio. Agora, vendo tantos rostos conhecidos e sentindo o carinho nos abraços e beijos, se arrependia do isolamento em que andara vivendo.
Era hora do almoço e Anya trazia travessas fumegantes da cozinha parando a todo momento para ser abraçada e receber boas vindas. No grande refeitório reinava um clima festivo que era normal para quem estava acostumado, mas incrivelmente excitante para os que não conheciam estas guerreiras intimamente. Aqui elas eram somente mulheres e se comportavam como tal, aproveitando ao maximo o período de calma, trocando receitas, contando novidades e piadas.
“Anya? Anya Mia?”
Anya se voltou para dar de cara com uma jovem quase dez anos mais jovem que ela. Cabelos ruivos, pele sardenta e o sorriso mais luminoso do mundo. Ela se lembrava de um sorriso assim em um bebê reconchudo que aprendera a andar rápido para poder segui-la. Lembrava de como se sentira em ser o objeto de adoração de alguém e de como a criança crescera sempre seguindo seus passos. A jovem a sua frente ainda não tinha cicatrizes, devia ter uns 20 anos e era estranho que nenhuma marca ainda tingisse sua pele.
“Marissa? É Marissa, não?”
“HÁ! Então você se lembra? Sou eu mesma e não posso nem dizer como estou encantada em revê-la. Acho que fazem uns bons anos que não consigo nem mesmo botar meus olhos em você. Às vezes me diziam que você estava no castelo e confesso que espiava em cada quarto só pra ver você mesmo que dormindo, já que era impossível pega-la acordada. Mal abria os olhos e já pulava no seu cavalo e, vrummm, à galope. Puxa!! Mas é bom vê-la de novo! Ainda mais acordada e... puxa, eu falo muito, não é?”
Anya gargalhou com vontade. Era a mesma Marissa. Sempre com mil palavras na boca e o coração tão quente quanto o fogo em seus cabeços
“Oh, Marissa” E Anya a abraçou com carinho. A sensação foi a mesma de quando Marissa era criança. O corpo quente e amável, a sensação de ser adorada mesmo sem merecimento. Era bom e parecia aquecer seu coração cansado.
“Você vai ficar não vai? Não pode continuar de batalha em batalha sem para. Deixa eu cuidar de você, juro que logo perde essas olheiras e põem um pouco de gordura nesses ossos.”
“Vou ficar sim e quero saber tudo que andou acontecendo desde que parou de se agarrar em minhas pernas.”
“Não muito. Eu...”
O rosto de Marissa ficou muito vermelho e seus olhos se encheram de lagrimas.
“Você vai ter vergonha de mim, Anya, não vai querer ser vista ao meu lado. Eu.. Eu fui recusada como guerreira.”

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