A vela se agita na brisa insuficiente que invade meu quarto. Letras, normalmente já indecifráveis, se transformam em insetos centopéicos. Recostada em minha cama, caderno e caneta apoiados nas pernas, me refresco com o abanar do leque que ainda conserva o perfume de sândalo, um dia tão pungente. Nessa luz suave mais pareço uma dama sulista (Scarlet O’Hara na meia idade) do século passado do que uma mulher moderna e exausta à espera do restabelecimento da eletricidade. Sei que algum drama (nesta época de comunicação rápida não pude deixar de me inteirar) fez com que meu bairro todo voltasse no tempo mais de uma centena de anos. A escuridão caiu sobre as pessoas desavisadas como uma ameaça. Trabalhadores assustados corriam pelas ruas aproveitando os últimos raios de um sol inclemente tentando alcançar a seguranças de suas casas. Eu consegui. Estou em segurança, mas não esqueço o tremor de receio ao encarar ruas negras onde vultos ziguezagueavam como mortos vivos em um filme de terror. Mas em meio à confusão generalizada e aos rostos preocupados eu percebi que na escuridão as pessoas se encontraram. Não há TV, os telefones sem fio estão mortos, as casas são apenas cascas onde pessoas vivem juntas mas desaprenderam a conviver. Na escuridão as ruas se encheram de vizinhos à procura de seus vizinhos. As calçadas viraram bancos e todos trocam informações enquanto se lembram que um dia gostavam de se encontrar para bater um papo. As padarias tem seus balcões cheios e o riso, entre as buzinas irritantes, faz o ar da noite mais leve. Escuto o ressonar suave de meus cães, os passos na rua, o ruído suave de um papel carregado pelo vendo, o maravilhoso burburinho de conversas animadas por toda parte. Sim, a luz faz falta. Meu computador jaz inútil no canto do quarto, minha TV parece triste em frente à cama, meu abajur foi relegado ao chão para dar lugar à vela, mas... Mesmo assim... Fico feliz em ouvir os risos lá fora e a escuridão já perdeu sua malevolência. Tudo está em paz.
Um grito rasga a noite: QUERO ASSISTIR O BBB!
Bem... Nada é perfeito, mesmo na escuridão o mal gosto persiste.
9 de abr. de 2007
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8 comentários:
Olá Deia.
Delicioso e sutíl conto.
Me faz feliz poder ter me dado mais um tempo para ler teus contos e visitar tua casa, cara amiga virtual!
Abraços.
Guardiaão da Noite - (ex MAGO) já vivi em www.oceuestacaindo.blig.com.br
Querida amiga!
Bom dia!
Já passei noites tenebrosas sem luz por aqui de Janeiro a Março.
Coisa de louco! Sem condicionado. Mosquitos disputando a tapa seu sangue(Animal Planet)e é claro sem Alemão.Hehehehe
Grandes bjus e Deus te abençoe!
Ps - Detonei o outro coment sem querer.
Como assim parar de escrever? Tire isso da cabeça!! Assim quem ficará no escuro (e não será agradável), será nós os leitores. Fica aqui um voto de pelamordedeus-não-pare rsrs...
Excelente este conto! É mesmo assustador estar nas ruas da cidade sem nenhuma luz... Impressionante como nos tornamos totalmente dependentes da eletricidade, como desaprendemos a viver sem ela, a conviver, conversar, etc. Sobre o grito na noite: me surpreendeu totalmente! hahahahahaha Excelente desfecho para uma noite de "terror"!
Ana
Uma vez escritora, sempre escritora. Voce pode até parar, mas será por um tempo somente. Quando perceber suas mãos implorarão por um papel e caneta :)
Um beijo
Eu volto aqui, sempreee!!!!
Oie Cuca!
Poxa nem brinca em falar de "parar de escrever"... Sei que demoro para aparecer, mas é bom saber que vc está lá, aqui, para quando a gente precisar de inspirar um pouco.
Força ae, tá!
Vou te ler um pouquinho.
Beijos!
Três vivas ao apagão que faz renacer a convivência humana e queima nossos computadores! Viva a póetica luz do luar e das velas! Viva as bricadeiras à meia luz! Viva o romântico jantar à cadelabros... Viva a misteriosa música que emana do escuro e iguala a todos! Que a todos torna humanos!
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