2 de mai. de 2010

Segredo


Todos temos segredos. Todos nós escondemos fatos e manias que temos medo influenciarem o modo como outros nos vêem. Todos temos segredos, ridículos na maioria das vezes, como cutucar o nariz e claramente justificados, como assassinato. Ela não cutucava o nariz. Enquanto olhava a sua volta pensava como era simples aparentar normalidade. Ninguém que a visse sentada empoleirada ao balcão tomando um cálice de vinho poderia imaginar que seu acervo secreto de facas picava mais do que cenouras e tomates. Seu sorriso era gentil e sedutor e suas mãos delicadas e macias. Orgulhava-se delas, mas não de sua aparência feminina e sim sua firmeza e precisão. Alguns a chamariam de serial killer, mas nunca procurou uma vitima, estas sempre se apresentavam a ela, culpadas, cheias de pecado, desejo, maldade e estupidez. Algumas vezes se questionava se levava longe demais a aversão pelos parasitas que povoavam o mundo, mas era como se toda resistência fosse inútil, pois eles cruzavam seu caminho a cada esquina. Não fazia distinção entre homens, mulheres, heteros ou gays, o que lhes garantia o posto em seu altar de sacrifício era sua ignorância e num mundo onde a ignorância cresce como erva daninha entre o asfalto não havia como escapar do que o destino colocava em seu caminho. Seu olhar vagou pelo bar e com um suspiro agradecido se preparou para aproveitar uma noite de paz e solidão. Não gostava de matar, não fora criada acreditando estar acima da justiça, do bem e do mal, mas era como uma compulsão e cada vez que podia voltar para casa sem que esta fosse despertada era como um desejo atendido, um milagre realizado. Terminou seu vinho, deixou uma boa gorjeta para o barman e saiu para a rua respirando profundamente o ar noturno que quase a fez esquecer que morava em uma metrópole das mais poluídas do mundo. A noite cheirava a chuva fresca e brisa marinha e se sentiu renovada. Esta noite não mataria, mas sabia que era somente um daqueles dias felizes onde o dedo do destino a acariciava em vez de punir. Hoje seu altar ficaria vazio e ela satisfeita.
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