19 de mar. de 2007

Sem despedida

Ele me chamava de senhorita, talvez lendo minha mão nua, talvez adivinhando meu coração solitário. Algumas vezes, quando tinha tempo e parava para mais do que um BOM DIA! esfuziante, me beijava a mão em uma galanteria de outro século. Elogiava minhas roupas, meu novo penteado, meu sorriso matutino e minha disposição eterna para trocar palavras com ele. Pela manhã usava um roupão atoalhado, quente e um tanto gasto, como ele mesmo e a casa dilapidada por trás do portão. Eu o via logo ao virar a esquina de minha rua, catando as folhas da calçada, uma mão na altura dos rins para equilibra-lo. Ele me esperava na esquina. Olhos brilhantes por baixo de sua boina antiquada. 80 anos? 90? Não sei, mas sei que sua voz ainda era firme e suas palavras sempre polidas e embaladas em frases escritas com letras rebuscadas. Gostava de fantasiar sobre seu passado. Poderia ter sido qualquer coisa, mas o imaginava sempre em um fraque e cartola, pois combinava com seu porte principesco e sua educação britânica. Nos fins de tarde usava um roupão de tecido muito masculino por cima de suas roupas e no rosto, mal aplicada, uma base clara e pó compacto, talvez para cobrir o passar dos anos, talvez para esconder algo pior do que somente a idade. No fim do dia eu sempre parava no seu portão para um breve relato do meu dia. O tempo, o transito e o dia no escritório. Sentia vontade de beija-lo e passar os dedos suavemente pela sua face nobre, mas nunca o fiz. Não o vejo mais. A casa, que antes parecia mal cuidada, agora caminha à passos largos para a ruína completa. As persianas quebradas antes tinham charme, agora só me lembram olhos vazios e sem futuro. O jardim selvagem já não tem a mão gentil para o afagar e parece querer tomar cada canto. Meu coração se aperta quando me aproximo e amaldiçôo os dias em que mudei de caminho e o perdi de vista para sempre. Já não há BOM DIA!, nem beijos delicados em minha mão, não há esperança de retorno e nem de despedida. Meu cavalheiro se foi e, mesmo que ainda viva, não retornará. Eu me sinto um pouco mais solitária.

4 comentários:

Anônimo disse...

é... o passar dos anos pesa muito... a rotina esmaga o romantismo...mas vamos em frente...teu blog esta otimo...parabens.

Anônimo disse...

Hum... Pena que o crocodilo do tempo sempre nos ronde para tentar abocanhar a carne fresca e rosada... Criaturas como essa são uma espécie que, literalmente, corre o risco de acabar...

Anônimo disse...

cicatrizes no coração....

Beijo!

Tom disse...

Olá Andréa!!!
Quanto mais o tempo passa, mais eu descubro que não sei lidar com mudançans e ausências tanto quanto eu semprei maginei. Mas, tudo bem, acho que ninguém sabe. Aprenderemos um dia? Tbm não sei. Mas sei que temos um encontro atrasado de ser marcado, viu! Abração Andréa!!! Até mais!