28 de nov. de 2008

Sentença


O edifício de consultórios era muito parecido com os outros em que estivera no ultimo mês. Salas esterilizadas, recepcionistas de sorriso vazio, longa espera pelo mesmo resultado. Ele se prometera que era a ultima vez. Todos até agora concordavam que sua expectativa de vida era de no máximo um ano. O que mais o incomodava era a voz impessoal que tentava parecer empática, mas que se você fosse atento o suficiente, somente parecia robótica e repetitiva. A recepcionista deste consultório não parecia nada diferente, pediu para ele aguardar com a indiferença destas profissionais e voltou a ler a revista de fofoca enquanto mascava seu chiclete. Alguns rostos a sua volta eram parecidos ao seu, pálidos e sombrios, a espera do fim. Outros, apesar de claramente sofridos, tinham uma aparência pacifica e de quase contentamento. Foi chamado somente com dez minutos de atraso e entrou no consultório mais pessoal que já vira em sua vida. As paredes eram de um tom alegre de amarelo, não o amarelo ovo, mas como as dunas do deserto batidas pelo sol. A parede ao fundo ela tomada por uma enorme janela, a oposta onde a porta se encontra era coberta por fotos de pessoas com sorrisos plácidos, famílias felizes, pescarias e muitos cães, a da direita era uma imensa estante coberta de livros de cima abaixo e a maior parte deles era de ficção, a ultima era reservada aos diplomas e muitos troféus de golfe. Na mesa enorme à frente da janela o medico menos ortodoxo o esperava. Era oriental, não mais de 1,65 mt de altura, usava uma calça jeans muito desbotada e uma camisa daquelas que turistas compram no Hawai, com abacaxis e palmeiras, para terminar usava um tênis amarelo ovo. Seu sorriso era acolhedor e nada profissional. Contou três piadas antes mesmo de abrir os exames de seu paciente. Examinou tudo meticulosamente, mas não parou de falar em tom de botequim “Você pesca? Nunca? Deve ir, posso te indicar um ligar ótimo. Gosta de Golfe? Nunca aprendeu? Parece chato, mas é uma arte.” Por fim terminou com os exames e encarou o paciente com tranqüilidade. “Sei que o senhor busca uma outra resposta, mas infelizmente eu tenho somente a mesma que já ouviu. Quanto tempo lhe deram?” O paciente disse que um ano e a isso o medico estalou a língua e deu uma risada divertida. “Há! Um ano! Quanta coisa se pode fazer em um ano... Mas um ano é uma estimativa tão boa quanto cinco ou dez. Já vi gente desenganada ignorar que lhe diziam que deviam morrer em 6 meses e teimaram em viver vários anos felizes. Eu lhe indico o mesmo tratamento que os outros, mas incluiria também acupuntura, varias estadas em spas, drenagem linfática deixa a gente todo lisinho, e se possível um passeio pela Europa na primavera. Já esteve na Europa na primavera? Morrer é o custo para estar vivo, meu caro, o segredo é como passamos o tempo que nos resta.” A consulta durou mais de uma hora. O paciente ouviu cada vez com mais prazer as piadas entre as sugestões de tratamento e quando saiu viu no reflexo da porta um rosto tranqüilo e quase contente. Durante dez anos ele voltou àquele consultório. Muitos meses eram bons, outros ruins, alguns péssimos, mas ele nunca esquecia o que o seu querido médico sempre lhe dizia: Viver, às vezes, é somente uma questão de vontade.
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3 comentários:

Tom disse...

Olha eu aqui novamente!
Adorei este conto, tia!!! Adoro todos, você sabe, mas este ficou otimista como costumo ser. Fico tão feliz em vê-la sempre tão afiada com as idéais e palavras. Te adoro! Beijão Andreaaa!!!

Anônimo disse...

Uma pergunta? Posso!
Qual seu livro, e sua musica preferida?
Seus contos são inspiradores, e fazem parecer fácil escrever!
Abraços

Unknown disse...

Emocionada parabenizo por seu lindo texto. Viver, é sim! uma questão de vontade. Viva a vida.