15 de nov. de 2008

A Névoa


Do horizonte o manto branco vem cobrindo a cidade. Ninguém sabe o que pode ser, ninguém quer pensar nas possibilidades. Do alto dos edifícios as pessoas comentam como caminha lento e determinado, esse manto que agora parece dourado ao pôr do sol. Alguns sugerem um novo fenômeno, resultado do aquecimento global, da poluição, dos buracos na camada de ozônio. As pessoas esperam. É como se soubessem que tudo mudará depois que ele passar. Eu olho da minha janela e vejo a massa, que mais parece algodão doce, se aproximar, ela engole o chão e o céu, mas não apaga o sol. Não é uma névoa comum. Eu sinto. Não sei como será quando a noite cair. As pessoas já começaram a se desesperar a algumas horas. Do alto as vejo correndo como formigas no fim do verão, tentando achar um caminho para fugir do que quer que esteja vindo.

Era ainda cedo quando a internet saiu do ar e logo os celulares e os telefones fixos já não funcionavam também. As TVs ainda transmitiram até depois do almoço, aproveitando cada segundo que lhes restou para espalhar um terror que naquele momento nem se podia imaginar. Pela primeira vez em décadas eles estavam certos. Nesse ponto os escritórios já estavam vazios e as ruas cheias. A cidade parou. As pessoas tão acostumadas a depender de seus carros, relutavam em abandoná-los e eram alcançadas pela névoa. Fiquei na minha janela vendo o manto branco se estender. Vi pessoas correrem para ele como se fosse o caminho da liberdade, mas não vi ninguém sair de lá.

Já não vejo nenhum raio de sol, ele finalmente se pôs, talvez cansado dos gritos que tomaram o lugar das buzinas e do ruído dos motores. Não quero sair de casa para me desesperar na companhia de estranhos. Se não posso dizer adeus aos que amo, prefiro ficar e rezar para que estejam tão calmos como eu. Sim, porque é possível se desesperar em uma calma absoluta. Dou as costas à janela e olho para minha casa como se fosse pela primeira/ultima vez. Em minha cabeça lembro pedaços de “The Mist” do meu amado Stephen King e tantos outros contos e filmes que falam de horrores desconhecidos. Minha janela já se embaça com a proximidade da neblina que é muito mais densa do que imaginava. Deito em minha cama e espero. Fecho os olhos e sinto o ar gelando a minha volta e sei que a névoa me abraça. De certo modo é reconfortante.


Acordo e é dia. Meu corpo ainda está gelado apesar da manta e edredom que me cobrem. Pela janela vejo um céu azul como há muito tempo não podia nem sonhar ver em minha cidade. A parede de névoa ainda está lá, mas se afastando lentamente. Não fico colada às janelas, nem mesmo escovo os dentes ou alivio minha bexiga dolorida, corro escada abaixo para saber para que mundo acordei.

Somos poucos. Tão poucos. Andamos nos olhando entre desolados e maravilhados. Não podemos perceber nada em comum entre nós alem do fato de estarmos vivos. Somos brancos, negros, amarelos, jovens, velhos e crianças. Temos todas as idades, cores e tamanhos. O ar cheira a terra num mundo de concreto, existem flores brotando por entre o asfalto e dizem que os rios correm limpos e cheio de peixes. Para onde foram todos que não somos nós?

Faz um mês que a névoa limpou o mundo. E ele agora é lindo novamente.
.

Um comentário:

Unknown disse...

boa noite Andreia! hoje estou matando saudades dos meus amigos do tempo em que eu tinha blog, finalizei o meu no inicio deste ano e não pretendo mais voltar, acabou a minha historia, matei meu amor, e acabei sosinha no mundo, estranho né? mas enfim e assim que vivo, numa completa solidão em meio a multidão...
Li varios dos seus contos, e continuam fascinantes como sempre, me tocou a perda dos seus queridos companheiros, tambem perdi minha Kali aos 12 anos de vida envenenada pela maldade de alguem, hoje tenho uma companheirinha que fa z meus dias melhores, a helga, que no momento esta completando 2 anos...
mas a vida e assim mesmo né? a gente ganha, perde, perde e ganha...e assim vamos levando...
beijos da amiga...