27 de nov. de 2008

Linhas

Hoje ele estava incrivelmente feliz. A noticia na TV que lhe dava o status de doente lhe abria portas que nunca imaginara ver destrancadas. Dizem agora que 20% da população brasileira é esquizofrênica. São egoístas, imorais e homicidas. Chamam de doença o que ele sabe ser somente um completo desrespeito pelas leis e pelo próximo. Desde o dia que nasceu nunca houve ninguém para lhe dizer que havia uma linha que nunca deveria ser ultrapassada. Seus pais, extremamente pobres, nunca disseram não, não sabiam quando dize-lo na verdade. Houve muitas ocasiões onde seu pai tentou apelar para a força bruta na tentativa de vê-lo se endireitar, quando roubou a primeira vez, quando chegou em casa chapado de crack, quando surrou até quase até a morte um garoto inocente mas homossexual, quando trocou por drogas os poucos bens da família, mas não havia nada mais alem das surras e a revolta que elas lhe provocavam. Não havia a sua volta um exemplo a seguir, somente podridão e ele gostava disso. Chafurdava na lama se sentindo poderoso por incutir o medo em quem cruzasse seu caminho. Não era assim por ser pobre, pois na verdade nunca lhe faltara nada, tomava o que queria. Não era assim por falta de amor, pois foi amado até onde foi possível. Não era assim por ter sofrido, pois em sua curta vida só fizera sofrer aos outros. Era assim porque o mundo já não ensina nada aos jovens. Desde que nascem são livres para acreditar que o mundo lhes pertence sem terem que dar nada em troca. E hoje ele, alem de não ter que pagar por nada do que tomava do mundo, ainda tinha uma desculpa para ser como era. Esquizofrênico, era isso o que diria se fosse pego. Levantou a arma e apontou para o gerente da lanchonete que tremia. O homem chorava e ele ria. Ambos sabiam que ele apertaria o gatilho conseguindo o que queria ou não. O riso era de vitória, mas ele também nunca aprendeu que existem pessoas que não temem e que saem de seu caminho para ajudar inocentes que ainda se lembram que linhas não devem ser cruzadas. Sentiu uma dor aguda e antes que pudesse matar o velho filho da puta à sua frente, viu o revolver cair de sua mão que já não o obedecia. De suas costas saiu uma senhora de meia idade, com uma bengala ensangüentada nas mãos. O rosto enrugado estava duro e chocado. Ele morreu alguns minutos depois. Tinha 13 anos. Ela nunca se arrependeu. Já fora assaltada 4 vezes, espancada uma vez e levara um tiro na perna no ultimo assalto que a fazia arrastar a perna de maneira dolorosa. Não, ela não se arrependeu, mas sofreu o resto da vida por tirar uma vida. Era ainda das que haviam aprendido a respeitar as linhas.
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Um comentário:

Tom disse...

Ainda há quem passe e quem receba essa noção de linha que não deve ser ultrapassada. Já não sou mais tão novinho, mas, percebo ao selecionar meus amigos que nem todas as pessoas sabem o que é limite, o que é diversão e o que é estupidez.
Saudades de você! Hoje é meu niver! ehehhe. Mas neste ano não vou comemorar, eu acho... Abraço!!!! Adorei ver seu blog ativo!