11 de nov. de 2009


Perdi algumas coisas durante o caminho, coisas que pensei que nunca mais ia me lembrar, pois a idade me fez mais cautelosa, talvez até meio temerosa das aventuras. Surpreendo-me agora redescobrindo prazeres antigos que pareciam relegados às memórias do passado. Eis que me batem à porta como velhos amigos dizendo “Aqui estou!”

A Estrada.
A estrada nunca é ruim ou difícil, somente varia entre vários níveis de dificuldade e prazer. Os primeiros quilômetros me receberam, coração acelerado e boca seca, com um pouco de desconfiança. Pareciam dizer “É você? Onde andou? Porque esse receio se somos velhas conhecidas?” E eu sorri e respondi acelerando como há muito não o fazia. O carro, como se feliz por poder me demonstrar que não é somente minha mais doce posse como também uma maquina bem calibrada, respondeu com um ronronado macio e firme, sem nunca demonstrar um segundo de hesitação entre meu comando e sua resposta. Estradas largas e velozes, chuva forte e garoa, estradas sinuosa montanha acima, sol manso aquecendo o ar que entra desarrumando meu cabelo. Não importa. Cada estrada me dá um prazer diferente. A grande rodovia me faz vibrar com a possibilidade da velocidade e das manobras rápidas, testando limites há tanto tempo esquecidos. A pequena estrada, onde navego montanha acima para ver o mundo à meus pés, me enche do prazer sensual que existe em me saber absolutamente só. É a nudez do espírito, completa, insana. Posso gritar que ninguém ouvirá. Posso me expor ao mundo como Lady Godiva e ninguém verá.
A estrada me preenche de uma maneira que somente um homem viril o poderia fazer. Com sensualidade, perigo e um contentamento orgástico ao final da jornada.

Somente um banho
Lembro em mil viagens quando passava o dia em aventuras e ao regressar, para onde quer que fosse minha pousada, me descobria gelada, molhada, enlameada ou simplesmente de músculos completamente esgotados. Nunca procurava o alivio imediato deste desconforto. Era como se ao estendendo este momento tornasse a recompensa muito mais saborosa. Havia me esquecido disso, da sensação deliciosa de um dia perfeito, mas desgastante seguido de um banho quente, da pele gelada em contato com a água relaxando músculos, extinguindo o cansaço, lavando as marcas de um dia que nunca será esquecido, do cheiro do xampu e sabonete amplificando a sensibilidade, da toalha secando a pele rosada do sol, do arrepio correndo o corpo em contato com o ar novamente, do creme amaciando a pele que murmura em gratidão, do perfume respingando o corpo, das roupas que parecem mais quentes e mais confortáveis do que realmente são, da sensação sensual de estar saciada. Pelo menos por enquanto.

Uma refeição honesta
Por anos comer se tornou mais uma etapa na rotina. Raras são as ocasiões onde um almoço ou jantar representam uma exclamação no dia. Comer se tornou o equivalente de encher o tanque do carro. É preciso estar abastecido. Mesmo quando uma refeição é uma ocasião, como um almoço com as amigas ou um jantar com um amigo, já não parece tão importante como foi um dia.
E então lá estou eu. Estrada percorrida, músculos vivos e dizendo palavras doces depois do esforço recompensado. Encaro a noite mais escura do que me lembro. Por tanto tempo andei sob as luzes da cidade que me pergunto se a noite sempre foi tão negra, mas meu coração sabe que sim. Ele se lembra. Percorro algumas centenas de metros de carro, encontrando ninguém em meu caminho e chego a um restaurante à beira da estrada que me recebe quase vazio. E então me lembro. Olho o cardápio com olhos que não vêem somente combustível, mas também o prazer secreto de terminar um dia perfeito com uma refeição perfeita. Não importa que esteja sozinha. Nada importa. A solidão me faz ainda mais atenta aos detalhes. A luz suave das velas em cada mesa. O garçom delicado que parece me dar atenção especial já que ninguém me acompanha. Faço meu pedido realmente interessada no que vou ingerir. E vinho. Traga-me vinho. Este desce doce e suave pela minha garganta aquecendo meu interior assim como o banho e as roupas aqueceram minha pele. Não tenho pressa. Cada garfada é um deleite. Mais vinho, por favor. E é com pena que vejo os pratos se esvaziando, o copo agora revelando sua transparência. Fecho meu banquete com um café forte e honesto. Os outros dois casais que dividiam o espaço comigo se foram há muito tempo. Eu ainda reluto em deixar o nicho acolhedor, mas já cumpriu sua obrigação. Volto ao hotel me sentindo completa. Eu agora me lembro.

Mente vazia
Faz tempo que não penso. O que quero dizer é que faz tempo que minha mente é constantemente invadida por pensamentos, Nunca se esvazia, nunca fica em modo de espera como meu amado laptop, nem vivo, nem morto, simplesmente em repouso. Sinto falta da contemplação sem pensamentos, do repouso do cérebro, da inação da mente. Mas agora me lembro.
Ando por esta terra abençoada olhando cada canto com prazer, mas sem pensar. Corro o bosque de ponta a ponta, fotografando, respirando, expirando, mas não pensando. Canalizo meu cérebro para sentir, experimentar, sem relembrar ou pesar o que faço e digo. E me sinto imensa. É como se minha mente inchasse para absorver tudo de maneira natural, sem questionar ou categorizar as informações. Sento em um balanço (quantos anos fazem desde que me balancei como criança pela ultima vez?) e contemplo o mundo à minha volta. Pássaros, montes deles, vem me observar curiosos. Rio sozinha sem motivo à não ser o de me sentir bem.
Subo a montanha ao pôr do sol, quilometro após de quilometro olhando o céu se aproximar. Chego ao pico e me dou conta como estou longe do mundo, sinto um pouco de medo, mas não penso. Olho para a imensidão abaixo de mim e me maravilho, mas não penso. Deixo o carro ligado, temendo um pouco a solidão, mas não penso. Volto devagar, fotografando curvas, montes, belas construções, mas não penso. Chego ao hotel e me preparo para a noite. Mas não penso. Meus dias aqui tem sido uma sucessão de não pensamentos aproveitados ao máximo.

Ter saudade
Viver junto é se suportar, na maior parte do tempo. Muitas vezes esquecemos que amamos quem amamos pelo simples fato de que estão presentes demais em nossos dias. Conhecem cada falha nossa, cada mudança de humor e nos questionam. Sempre. É fácil perder a paciência em relacionamentos prolongados, na coabitação que se estressa. E esquecemos que sem eles nada é completo. Mas agora me lembro.
Parece que cada passo que dou aqui no topo do mundo precisa ser partilhado. Emails diários com fotos e comentários fazem meus dias mais perfeitos, como se ao deixá-los saber que minha felicidade é plena a tornasse ainda maior. E a saudades. Quanta... Imagino seus rostos a todo o momento e penso no dia do retorno quando os abraçarei com amor sincero. Tudo parece pequeno aqui. As irritações dos últimos tempos, a vontade de fugir de suas presenças para um momento de paz, a rotina que imobiliza os bons sentimentos. Tenho saudades. Eu os amo como nunca sabendo que me esperam e me desejam feliz. Eu os amo. Ponto. Sei que tempos virão em que me irritarei novamente com suas presenças, sei também que me lembrarei destes dias no paraíso e da saudades que tornou meu coração humano novamente, da saudades que me abriu as portas para uma serenidade que há muito tempo não sentia.
Saudades. Eu me lembro.
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4 comentários:

Ana disse...

*suspiro* quanto queria estar na estrada agora, olhando para estrelas diferentes... sentindo que minha vida tem uma razão de ser, além de coisas que nunca foram minhas.

Amiga, o orkut, o twitter e coisas assim estão assassinando a blogosfera, mas ainda resistimos, que bom!!

O ano está acabando e deixei meu último post na Estante Mágica. Te convido a visitá-la e se possível dar uma força na divulgação do "novo velho livro"... hehehe!

No mais, boas festas e um ótimo 2010!

beijos

Ana

Anônimo disse...

parou por que? por que parou? Há mais de um mês sem escrever...

Anônimo disse...

Querida Andréia.
Estou aqui a poucas horas do fim de um ano para lhe desejar uma ótima celebração de virada de ano, e que
Muitos dos teus sonhos se realizem para o proximo ano com saude, paz, felicidade, alegria.

Deus te abençoe

Anônimo disse...

E já estamos em janeiro de 2010...