3 de jul. de 2008

A Viúva

O caixão parecia pequeno demais para o homem que ele fora. Poderoso e temido agora ocupava um espaço restrito, mesmo que acolchoado de cetim. Os homens usavam ternos que custavam o salário de um ano de muitas pessoas e as mulheres desfilavam pretinhos não tão básicos assim. Todos vinham prestar suas homenagens diante do morto e, de passagem, lhe jogavam uma ou duas palavras de consolo. Ninguém lhe dava muita atenção, não chegava a ser ignorada, mas era como se fosse a quinta coadjuvante em um filme de terceira categoria. Todos sabiam que seu casamento fora uma fachada, ela tinha boa linhagem e dinheiro de família e ele havia prezado demais as aparências para largá-la por uma de suas varias amantes. Ela nunca tivera força suficiente para deixá-lo, fora criada para obedecer e assim o fizera. Aceitara tudo como parte do pacote assim como aceitara o dinheiro fácil e a posição social inclusos. Olhou o rosto endurecido pela morte à sua frente e não sentiu nada a não ser um alivio divertido. Ouvia os comentários pelo enorme salão, a ultima fofoca de como ele a deixara sem nada, de como fundira sua fortuna à dele, de como passara para o nome de amantes e partidários todos seus bens quando pressentira a morte. O jovem advogado que cuidara de tudo estava postado a um canto, a olhando vez por outra com um sorriso no rosto. A hora chegou e o caixão baixou ao solo lavado por lagrimas de mil amantes e de partidários políticos que perdiam seu benfeitor. Ela não chorou. Na verdade sorriu olhando para o céu azul de inverno e escandalizou a todos partindo antes do fim da cerimônia, balançando a bolsa pequena como em um piquenique e assobiando uma antiga canção. A casa, que sempre lhe parecera gélida, agora a recebeu cálida e confortável. Da biblioteca, refugio de seu pobre e morto marido, vinha o som de uma musica suave e o crepitar do fogo na lareira. Ela abriu a porta e lá estava ele. O jovem advogado que fora eleito como seu carrasco. Ele a tomou nos braços e ensaiou uma valsa enquanto riam do mundo. Na lareira os documentos que a sentenciavam à miséria queimavam e sobre a mesa o antigo testamento, dos tempos de recém casados, lhe dava o mundo. Valera a pena esperar. Foram dois longos anos para que o veneno lhe torcesse as cordas duras do coração de aço, mas ele sucumbira. Ela não cometeria o mesmo erro duas vezes. O jovem advogado a levaria em uma longa viagem por lugares exóticos e com certeza a pediria em casamento. Mas talvez ele não voltasse...

Um comentário:

Clecia disse...

Gostei da história. Bjos! :)