16 de set. de 2007

Ele olhava para trás com os olhos tristes e desconfiados de quem já passara por mais do que merecia na vida. Eram olhos cansados, mas no fundo deles um brilho dourado anunciava que, against all odds, ainda havia um resquício de esperança em seu pequeno corpo. Sua perna, aquela que fora quebrada duas vezes, doía demais nesses dias que amanheciam tórridos e terminavam gelados. Seu corpo exigia uma tremenda força de vontade para continuar a se mover, mas ele tinha medo e continuar em movimento parecia a única saída. A voz que o chamava era convidativa, mas não o foram todas as outras? O corte em sua testa ainda sangrava, mesmo depois de 3 dias, e ele chacoalhava a cabeça sem parar para que o sangue não cegasse. Ele estava cansado. Não somente seu corpo parecia querer desistir, mas também seu espírito estava se encaminhando para aquele ponto onde o fim da dor, do desconforto, do medo eram um atrativo maior do que o continuar a viver. E a voz continuava a chamá-lo. Ele não podia andar mais rápido e parecia que quem o perseguia estava cada vez mais próximo. E de repente ele não se importou mais. Isso acontece frequentemente com quem foi maltratado, abusado e jogado pela vida como um pedaço de carne podre. Era hora de parar de fugir. De enfrentar o destino com paz no coração e a esperança que o fim fosse rápido e tão indolor quanto possível. E a voz o alcançou. “Vem cá, garoto. Que foi que fizeram com você?” Mãos doces e cuidadosas o pegaram no colo e o tecido macio do suéter do homem de voz calma o esquentou e o induziu a um estado de torpor que ele pensou ser o prenuncio da morte. Por algum tempo ele sentiu o balanço do andar e o ar da noite pareceu doce. O homem continuava a falar, mas ele já não ouvia as palavras, somente notava a cadencia apaziguadora. Logo parou de sentir a brisa e parecia que estavam dentro de uma casa. Apesar de sentir um começo de curiosidade não conseguiu abrir os olhos. Sentiu seu corpo mergulhar em água morna e perfumada e, depois de ser esfregado com delicadeza, teve seus machucados tratados e sua perna ruim enfaixada. A cama macia veio a seguir, e se isso era o céu, então o paraíso tinha cobertores fofos e coloridos. Ele dormiu. Abriu os olhos para um aposento claro e um som maravilhoso encheu seus ouvidos. Ele sabia que era musica, a ouvia quando olhava para dentro das casas esperançoso. Fechou os olhos novamente pensando que era o melhor sonho que tivera quando ouviu a voz do homem chamando. “Acorda, garoto, você precisa comer.” Foi carregado novamente e o homem até mesmo o ajudou a fazer suas necessidades antes de apresentar uma vasilha cheia de leite com umas coisinhas crocantes e doces que fizeram sua boca arder de desejo. “Comprei umas coisas pra você enquanto tava dormindo, amigão. Que você acha de morar aqui comigo?” O homem começou a lhe mostrar coisas lindas e que ele já vira outros usarem, mas que nunca imaginava que alguém quereria lhe dar. Sentiu algo novo e uma vontade irresistível encheu seu corpo judiado. Pulou nos braços do homem e lambeu seu rosto enquanto abanava o rabo meio torto que Deus lhe dera. O homem riu e o abraçou e foi como sempre imaginara. Isso era o paraíso sim, mas ele estava vivo e achara um humano que tinha um lugar no coração para um cão dedicado como ele. Au au. Isso era o paraíso sim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi amiga saudades de ti!!!
Nossa até chorei, tenho tanta pena desses animais que ficam jogados sem donos.
Grandes bjus.