25 de jan. de 2010

Sorte

A faca corta a pele com facilidade e delicadeza. Não faço força nem rasgo a carne macia, mas sim, suavemente, sigo o trajeto que a lamina me dita. A pele rugosa cai em tiras que tento fazer o mais longas possíveis. Sorrio lembrando de outra mulher fazendo o mesmo trabalho com o mesmo carinho. O cheiro da laranja lima se espalhando a cada fruta descascada. Uma a uma eu as desnudo pensando no passado, no presente e nos dias que ainda virão. Sei que tenho sorte. Neste mundo desumano tive alguém que me descascou laranjas e preparou meu lanche para a escola, tive pessoas que me deram o ombro chorar e me disseram verdades que não queria ouvir, tive e tenho um irmão que posso confiar e com quem tenho prazer de partilhar minha vida, tenho trabalho, carro, casa. Tenho amigos. Tenho sorte sim e descascando laranjas é que penso nisso. Na mulher no quarto no andar de cima que não sabe que em poucos minutos um prato de laranjas cortadas em cubos lhe será oferecido. Sei que não pode ser considerado um presente, para alguns até mesmo pode ser visto como obrigação, mas para mim é um gesto que diz: Tenho sorte de poder ter pessoas para quem eu me importe de descascar laranjas.
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2 comentários:

Edu O. disse...

Me tocou tanto este texto!!!

Anônimo disse...

Belo! Belíssimo!