A casa nova agora é aqui:
Wacky Woman Working
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29 de dez. de 2011
Edgar... Oh, Edgar...
Uma das coisas que amo em Edgar Alan Poe é a inevitabilidade de seus contos. Por melhor que as coisas comecem você sabe que está viajando a caminho do desastre. Poe com certeza era um home cínico, sua visão do ser humano não era nada lisonjeira. Talvez seja isso que me agrade tanto nele, pois também não tenho o ser humano de meus dias em alta conta.
O que me trouxe hoje a Poe foi uma conversa com Mano Urso (e como todas conversas com ele esta também me rende frutos), um comentário que me levou a procurar sua foto. Nunca um sorriso, nem mesmo uma calma aceitação. Sempre o rosto triste, os olhos fixos na câmera como a acusar a lente de sua melancolia. E me pergunto quem terá sido realmente este homem que admiro, com que freqüência seus pesadelos se tornaram meu prazer em forma de seus contos e o mais importante, se escreveria por prazer ou para expulsar os demônios que enxergava em cada esquina.
Poe me rendeu mais arrepios de medo do que qualquer outro escritor. Desde pequena sempre amei filmes de terror e as adaptações de seus contos estão até hoje entre meus favoritos (principalmente quando podia juntar a prosa de Poe com a presença sempre magnética de Vincent Price). Foram os filmes que me levaram aos livros e deles um mundo novo se abriu para mim.
O macabro e o extraordinário tem seu encanto, é preciso ter um certo gosto para a coisa, eu admito, mas também é preciso admirar que alguém se dê tanto trabalho escrevendo algo que com certeza decepcionara a maioria dos leitores, sempre ávidos por finais felizes. Poe não tinha, acredito, esta necessidade de agradar, sua completa lealdade voltada sempre para a historia a ser contada, fielmente contada, da forma como se apresentara originalmente em sua mente brilhante.
Saudações, Poe.
O que me trouxe hoje a Poe foi uma conversa com Mano Urso (e como todas conversas com ele esta também me rende frutos), um comentário que me levou a procurar sua foto. Nunca um sorriso, nem mesmo uma calma aceitação. Sempre o rosto triste, os olhos fixos na câmera como a acusar a lente de sua melancolia. E me pergunto quem terá sido realmente este homem que admiro, com que freqüência seus pesadelos se tornaram meu prazer em forma de seus contos e o mais importante, se escreveria por prazer ou para expulsar os demônios que enxergava em cada esquina.
Poe me rendeu mais arrepios de medo do que qualquer outro escritor. Desde pequena sempre amei filmes de terror e as adaptações de seus contos estão até hoje entre meus favoritos (principalmente quando podia juntar a prosa de Poe com a presença sempre magnética de Vincent Price). Foram os filmes que me levaram aos livros e deles um mundo novo se abriu para mim.
O macabro e o extraordinário tem seu encanto, é preciso ter um certo gosto para a coisa, eu admito, mas também é preciso admirar que alguém se dê tanto trabalho escrevendo algo que com certeza decepcionara a maioria dos leitores, sempre ávidos por finais felizes. Poe não tinha, acredito, esta necessidade de agradar, sua completa lealdade voltada sempre para a historia a ser contada, fielmente contada, da forma como se apresentara originalmente em sua mente brilhante.
Saudações, Poe.
15 de dez. de 2011
12 de dez. de 2011
Meu herói, meu bandido
Quando ele morreu eu rui. Não sabia o que ia ser de mim que tinha ele como estrela guia. Nunca foi um protetor, não era sua natureza, mas sim um palhaço, amigo, dançarino, colega de luta livre, parceiro de poker e muito, muito mais. Era sempre a alma da festa. A luz brilhante na noite. A alma calma em uma casa em chamas. O amor no meio do ciúme. Mas como disse, ele se foi.
No começo eu somente chorei. Foi mais do que perder uma pessoa. Foi perder aquele que sempre me amou pelo que eu era, mesmo que não soubesse exatamente quem eu me tornara. Eu era sua menina. SEMPRE. O que me deixou, no começo não percebi como fardo. Nem mesmo percebi que havia me legado algo a não ser um punhado de fotos, sua carteira de motorista vencida e uma família em pedaços. Não pude esperar meu corpo e alma se recompor da perda sofrida, era preciso seguir em frente. Assim me foi ordenado por mão não tão macia. Era preciso prover, alimentar, cuidar, ser a mão que sempre se estende, ser aquela que nunca diz não, mas a quem é negado muito.
De herói ele aos poucos passou a bandido. Sua partida já não sentida, mas sim ressentida. Minha prisão era sua herança e eu nem mesmo podia gritar com meu algoz. Ele não estava mais a meu alcance. Daquele que eu amava pouco sobrou. Somente a maldita carteira de motorista vencida e um punhado de fotos que já não conseguia olhar.
Olho para trás e tenho saudades de amá-lo infinitamente. De vê-lo por olhos mais inocentes e tímidos. De ainda imaginá-lo meu herói. Sei que nunca poderá me salvar. Minha torre foi construída alta e impenetrável. Parte dela eu mesma levantei. Foram os muros altos que me protegeram durante os anos duros, foram as paredes grossas que me mantiveram em pé num mundo repleto de decepções. Ainda estão frescos na minha memória momentos em que silenciosamente gritei com Deus por ter me roubado aquele que podia me proteger até um dia perceber que eu já era capaz de empunhar minha própria espada, vestir minha própria armadura e ser meu próprio herói. Talvez tenha sido o momento mais solitário de minha vida.
Pai, é hora de fazer as pazes. Já não o quero herói, mas também não o quero bandido. Quero poder somente amá-lo enquanto quebro as paredes da torre que já não pode mais me conter.
Com amor,
Sua filha, Andrea.
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The little bastard
Não é bem um bloqueio. É mais como um coagulo, uma maldita rolha alojada entre meu cérebro e a mão que traduz meus pensamentos. Às vezes sinto como se estivesse em compasso de espera, onde o momento que me carregará está sempre suspenso na droga da ampulheta congelada.
Não sei quantas vezes sentei em frente ao teclado tentando recapturar o momento onde perdi a vontade de escrever, não a inspiração, nem a imaginação, mas sim a vontade. Talvez seja medo de ver as palavras que amo desperdiçadas no cyberspace, as historias perdidas nesse burburinho constante e sem sentido que engole até o mais coeso dos pensamentos.
Quero somente escrever novamente. É por isso que arrumo a mesa. Ajeito a cadeira. Abro a janela e deixo a brisa entrar e acariciar minha pele cansada. Encaro a tela e elas ainda estão lá. Palavras e mais palavras que fazem sentido sim, traduzem um milhão de sentimentos e mais, me ligam a pessoas que amo, amei e vou certamente amar.
Claro que o medo não vai embora assim rápido. Não é bicho de fugir ao primeiro contratempo. Ainda sussurra em meu ouvido “ninguém quer ler o que tem a dizer”, ainda pergunta sarcástico “de onde vem essa idéia de que pode escrever?”, mas eu dessa vez o ignoro. Me privei por tempo demais de gritar o que sinto em outras vozes, de dizer minhas verdades através da ficção. Dane-se o medo. Fuck off, little bastard!
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21 de jul. de 2011
E nem adianta chorar pelo leite derramado.
Minha avó tinha um ditado para tudo. Eu ainda rio de alguns deles, mas os levo a sério porque minha boa velhinha era possuidora de uma sabedoria antiga, bela e humilde.
E é assim que eu sei que do mundo nada se leva, o que é uma absoluta verdade. Podemos ser diferentes ao nascer, vindo uns mais confortavelmente que outros, mas ao morrermos deixamos para trás absolutamente tudo. Assim o que vale é o que deixamos, o que nos tornará memoráveis. Na hora da conta final o que vale é o amor que inspiramos, a reputação que construímos e as boas ações que fazem nosso nome conhecido para desconhecidos.
E é antes tarde do que nunca uma verdade que também não contesto. Aprendi isso cedo, esperando meu pai sempre atrasado, mas depois dele muitos me fizeram lembrar deste ditado. Tento nem contar o tempo que já esperei por namorados, promoções, aumentos ou simples noticias e sempre que finalmente chegam eu me digo “antes tarde do que nunca” e sorrio para minha vó Joana que com isso tentou me ensinar paciência, sem muito sucesso.
Mas se tem um ditado que não me pega de calças curtas é o que diz que as aparências enganam. Deste faço uso somente como aviso aos outros, já que nunca fui de levar a aparência de um fulano ou fulana como indicação de seu caráter. Já vi muita maldade e falsidade em pacotes bem atraentes e convincentes, mas graças ao gene de bruxa na família de Vó Joana eu sempre vejo um pouco além. Porque que as aparências enganam, ah sim, elas enganam.
E com meu amor pelos eqüinos devo dizer que ao cavalo dado não se olha aos dentes. E isso é uma coisa que pouca gente da nova geração aprendeu. Gratidão. Eu tenho pouca paciência com as pessoas que recebem favores já com reclamações no bolso. Agradeça e cale a boca!
Eu prefiro andar só que mal acompanhada e desta perola eu uso e abuso. Infelizmente parece que as pessoas hoje em dia não gostam da própria companhia e em vez de se valer de tão sábio ditado parecem procurar por encrenca em má companhia.
Vou fechar com um que vó Joana dizia com freqüência quando ouvia fofocas sobre terceiros. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Oh! Pura verdade. Nem sempre podemos adivinhar o que leva as pessoas a ações desesperadas ou insensatas. Algumas vezes o sapato aperta demais e o único jeito e jogá-lo na cabeça de alguém.
Quando lembro de seus ditados e de seu olhar doce que entendia tão bem o mundo eu penso que em toda sua ingenuidade, pois ingênua ela era, entendia mais dos corações das pessoas que uma cínica como eu. E como ela diria, com seus olhos da cor do céu de verão, jacaré que fica parado vira bolsa.
Até amanhã.
E é assim que eu sei que do mundo nada se leva, o que é uma absoluta verdade. Podemos ser diferentes ao nascer, vindo uns mais confortavelmente que outros, mas ao morrermos deixamos para trás absolutamente tudo. Assim o que vale é o que deixamos, o que nos tornará memoráveis. Na hora da conta final o que vale é o amor que inspiramos, a reputação que construímos e as boas ações que fazem nosso nome conhecido para desconhecidos.
E é antes tarde do que nunca uma verdade que também não contesto. Aprendi isso cedo, esperando meu pai sempre atrasado, mas depois dele muitos me fizeram lembrar deste ditado. Tento nem contar o tempo que já esperei por namorados, promoções, aumentos ou simples noticias e sempre que finalmente chegam eu me digo “antes tarde do que nunca” e sorrio para minha vó Joana que com isso tentou me ensinar paciência, sem muito sucesso.
Mas se tem um ditado que não me pega de calças curtas é o que diz que as aparências enganam. Deste faço uso somente como aviso aos outros, já que nunca fui de levar a aparência de um fulano ou fulana como indicação de seu caráter. Já vi muita maldade e falsidade em pacotes bem atraentes e convincentes, mas graças ao gene de bruxa na família de Vó Joana eu sempre vejo um pouco além. Porque que as aparências enganam, ah sim, elas enganam.
E com meu amor pelos eqüinos devo dizer que ao cavalo dado não se olha aos dentes. E isso é uma coisa que pouca gente da nova geração aprendeu. Gratidão. Eu tenho pouca paciência com as pessoas que recebem favores já com reclamações no bolso. Agradeça e cale a boca!
Eu prefiro andar só que mal acompanhada e desta perola eu uso e abuso. Infelizmente parece que as pessoas hoje em dia não gostam da própria companhia e em vez de se valer de tão sábio ditado parecem procurar por encrenca em má companhia.
Vou fechar com um que vó Joana dizia com freqüência quando ouvia fofocas sobre terceiros. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Oh! Pura verdade. Nem sempre podemos adivinhar o que leva as pessoas a ações desesperadas ou insensatas. Algumas vezes o sapato aperta demais e o único jeito e jogá-lo na cabeça de alguém.
Quando lembro de seus ditados e de seu olhar doce que entendia tão bem o mundo eu penso que em toda sua ingenuidade, pois ingênua ela era, entendia mais dos corações das pessoas que uma cínica como eu. E como ela diria, com seus olhos da cor do céu de verão, jacaré que fica parado vira bolsa.
Até amanhã.
20 de jul. de 2011
When destiny kick your ass
Minha impressão é que o destino ás vezes se cansa de esperar que você dê um rumo à sua vida e simplesmente te dá um pé na bunda, o lançando em um vôo cego que geralmente termina em joelhos esfolados, cara ralada, orgulho ferido, ego esmagado e muitas vezes falido. Claro que não reconhecemos esse tombo homérico como um chute do destino, vemos somente os pontos negros e tristes e nos fixamos tanto neles que esquecemos de aprender com nossos erros ou de reconhecer uma oportunidade única de mudarmos nossas vidas radicalmente.
Honestamente? Não é fácil. Não é fácil aceitar que o caminho em que estávamos, tão belo e seguro, não seja o único preparado para nós. Não é fácil olhar em volta e reconhecer oportunidades quando se está tão ocupado lamentando o que se perdeu.
Mas o belo de pés na bunda é que você pensa neles o tempo todo até entendê-los. É como aquele fim de namoro em que o motivo do fadado pé foi tão mal explicado, tão evasivo, que você simplesmente não consegue aceitar. E ai passa noites em claro pensando no ser outrora amado (lembrado agora pelo bonequinho de voodoo em que espeta suas agulhas toda noite) e tentando entender como mereceu um tratamento tão pífio. Depois da deprê habitual é normal que nos lembremos de sinais de que as coisas não andavam bem, sinais que ignoramos por ingenuidade ou pura estupidez, nessa hora pouco importa, e que começam a fazer sentido. No momento que entendemos podemos deixar para trás a dor e seguir em frente. A não ser que você seja o tipo masoquista e queira sofrer por um idiota por tempo indeterminado, então pare de ler esse post e vá comprar mais lenços de papel.
Mas não estamos falando de homens, e nem de mulheres, mas sim do terrível, delicioso, maquiavélico destino. Os passos são os mesmos, no entanto, você primeiro desespera, depois entra em depressão e finalmente começa a perceber que a experiência mudou seu eu, suas prioridades e mesmos os desejos que antes julgava conhecer tão bem. Dessa salada surgem qualidades inesperadas. Força, coragem, criatividade, coisas escondidas por anos de rotina somente quebrados pelo grande pé na bunda do destino.
Portanto, para você novato nos jogos da vida, não deixe que os primeiros estágios tomem muito seu tempo, procure pela saída mais próxima e corra para a próxima aventura, pois o que considera o grande desapontamento de sua vida hoje pode ser somente o primeiro passo para a felicidade plena de amanhã.
18 de jul. de 2011
Mist's Knight
Ele era um velho guerreiro. A estrada era a sua casa há tanto tempo que já não sabia de onde viera e, no seu atual estado, nem para onde ia. De guerra em guerra parecia ter perdido a memória do homem por trás da espada. Não que para os senhores da guerra importasse, cada homem a seu comando era dispensável, só a busca eterna por gloria, terras e tesouros importava.
Mesmo não sabendo quem era, para onde ia e de onde viera aos poucos o guerreiro se deu conta de como vã era essa busca e anos nela somente lhe trouxeram cicatrizes, frieiras e um estômago fraco. E foi assim que um dia ele embainhou a espada e deu as costas à luta. Seguiu por estradas cercadas por campos inférteis que ajudara a esvaziar e por cidades onde os fantasmas daquele que despachara para o alem ainda rondavam. Viu os espíritos inquietos o cercarem, alguns com fúria outros somente com tristeza, e em uma voz quebrada pela falta de uso lhes pediu perdão. Sentou em praças vazias e falou de como havia perdido mais de metade da vida obedecendo a ordens por ser o que fora ensinado a fazer. Contou da vida que não tinha, da bolsa vazia, do corpo maltratado, da espada sangrenta e do cavalo já velho e cansado que o carregava agora pelo mundo por também não conhecer nada alem desse homem sem destino ou memória.
Foram muitas cidades e muitos espíritos, mas no fundo de seu peito, naquele lugar onde dizem estar um coração, ele sabia que era o certo a fazer e de cidade em cidade foi contando suas historias até que entre os espíritos começaram a surgir os vivos, pessoas comuns e simples que a principio se espantavam com esse guerreiro solitário, mas logo se tornavam presas de suas historias e sua voz rouca e triste.
Logo não haviam mais espíritos, estava em terras que já haviam se recuperado da devastação que a maquina da guerra causara há anos e anos. Mas o guerreiro não notava. Para ele ainda eram, todos aqueles que o escutavam, suas vitimas.
Sua figura e sua historia se tornaram conhecidas. Mensageiros eram enviados para avisar de sua chegada e banquetes preparados para acompanhar suas historias. Ele nada bebia ou comia. Vivia de pães e maças e água que comia e bebia enquanto andava entre a neblina nas madrugadas frias. Dormia sobre a palha fresca das estrebarias recusando cama e teto. As pessoas começaram a pensar nele como um homem santo, se penitenciando pelos erros do passado, mas ele somente não mais conhecia cama e ficar cercado por quatro paredes o intimidava, assim como a comida farta não apetecia ao seu estomago fraco, nem o vinho ao seu cérebro confuso.
De uma cidade a outra ia até que um dia não chegou como esperado. Todos o esperavam com o banquete, a fogueira, a palha fresca na estrebaria, o pão recém saído do forno, a maça colhida antes do amanhecer e a água fresca do poço, mas pela pequena estrada lamacenta ele não veio. Até o amanhecer o esperaram e quando nenhum sinal dele tiveram os homens atrelaram seus cavalos, os garotos apanharam seus cães e as mulheres pularam nas carroças e foram a sua procura. Pelo meio da floresta procuraram. Pelas estradas, nos lagos, nos campos cultivados. Nenhum sinal do triste guerreiro. Foram até a ultima cidade onde ele estivera e dali, com os habitantes desta, buscaram novamente.
Nunca mais uma cidade o viu contar suas historias. Ninguém mais o viu curvado sobre o cavalo a caminhar sob o sol. Não sob o sol.
Dizem que nas noites onde a neblina é tão baixa, que parece subir do chão em vez de descer do céu, ele cruza as estradas e sussurra para o vento. Dizem que o pão, as maças e a água que deixam nas entradas das cidades às vezes somem. Alguns dizem que são os vagabundos que as levam, outros sorriem sabiamente ao ver as flores vergadas que nascem no lugar das oferendas. Flores sem nome, tristes e cinzentas como uma noite de neblina. Dizem que se as colocar bem próxima ao seu ouvido pode escutar em sussurros roucos as historias que antes um só homem contava.
Mesmo não sabendo quem era, para onde ia e de onde viera aos poucos o guerreiro se deu conta de como vã era essa busca e anos nela somente lhe trouxeram cicatrizes, frieiras e um estômago fraco. E foi assim que um dia ele embainhou a espada e deu as costas à luta. Seguiu por estradas cercadas por campos inférteis que ajudara a esvaziar e por cidades onde os fantasmas daquele que despachara para o alem ainda rondavam. Viu os espíritos inquietos o cercarem, alguns com fúria outros somente com tristeza, e em uma voz quebrada pela falta de uso lhes pediu perdão. Sentou em praças vazias e falou de como havia perdido mais de metade da vida obedecendo a ordens por ser o que fora ensinado a fazer. Contou da vida que não tinha, da bolsa vazia, do corpo maltratado, da espada sangrenta e do cavalo já velho e cansado que o carregava agora pelo mundo por também não conhecer nada alem desse homem sem destino ou memória.
Foram muitas cidades e muitos espíritos, mas no fundo de seu peito, naquele lugar onde dizem estar um coração, ele sabia que era o certo a fazer e de cidade em cidade foi contando suas historias até que entre os espíritos começaram a surgir os vivos, pessoas comuns e simples que a principio se espantavam com esse guerreiro solitário, mas logo se tornavam presas de suas historias e sua voz rouca e triste.
Logo não haviam mais espíritos, estava em terras que já haviam se recuperado da devastação que a maquina da guerra causara há anos e anos. Mas o guerreiro não notava. Para ele ainda eram, todos aqueles que o escutavam, suas vitimas.
Sua figura e sua historia se tornaram conhecidas. Mensageiros eram enviados para avisar de sua chegada e banquetes preparados para acompanhar suas historias. Ele nada bebia ou comia. Vivia de pães e maças e água que comia e bebia enquanto andava entre a neblina nas madrugadas frias. Dormia sobre a palha fresca das estrebarias recusando cama e teto. As pessoas começaram a pensar nele como um homem santo, se penitenciando pelos erros do passado, mas ele somente não mais conhecia cama e ficar cercado por quatro paredes o intimidava, assim como a comida farta não apetecia ao seu estomago fraco, nem o vinho ao seu cérebro confuso.
De uma cidade a outra ia até que um dia não chegou como esperado. Todos o esperavam com o banquete, a fogueira, a palha fresca na estrebaria, o pão recém saído do forno, a maça colhida antes do amanhecer e a água fresca do poço, mas pela pequena estrada lamacenta ele não veio. Até o amanhecer o esperaram e quando nenhum sinal dele tiveram os homens atrelaram seus cavalos, os garotos apanharam seus cães e as mulheres pularam nas carroças e foram a sua procura. Pelo meio da floresta procuraram. Pelas estradas, nos lagos, nos campos cultivados. Nenhum sinal do triste guerreiro. Foram até a ultima cidade onde ele estivera e dali, com os habitantes desta, buscaram novamente.
Nunca mais uma cidade o viu contar suas historias. Ninguém mais o viu curvado sobre o cavalo a caminhar sob o sol. Não sob o sol.
Dizem que nas noites onde a neblina é tão baixa, que parece subir do chão em vez de descer do céu, ele cruza as estradas e sussurra para o vento. Dizem que o pão, as maças e a água que deixam nas entradas das cidades às vezes somem. Alguns dizem que são os vagabundos que as levam, outros sorriem sabiamente ao ver as flores vergadas que nascem no lugar das oferendas. Flores sem nome, tristes e cinzentas como uma noite de neblina. Dizem que se as colocar bem próxima ao seu ouvido pode escutar em sussurros roucos as historias que antes um só homem contava.
17 de jul. de 2011
Inspiration
O que peço é somente um pouco de inspiração. Não que ela tenha sumido exatamente, é mais como se estivesse cansada de minha indecisão e quando a chamo ela parece me olhar com aquele olhar cínico tão parecido como o meu dizendo “agora você me quer?” e vira as costas indo para o lugar onde as inspirações vivem (fucking far away). Tenho vontade de gritar com ela e talvez até implorar pelo seu perdão, explicar que a vida ficou complicada e que não me distanciei por vontade própria, mas apenas para por a vida nos trilhos. Eu queria dizer, mas sei que ela me conhece tão bem que somente me olharia com sabedoria, me daria aquele tsk tsk irritante de quem sabe que você está mentindo e iria embora do mesmo jeito.
Qualquer sentimento não atendido morre e inspiração para mim sempre foi um sentimento, pelo menos desde que passei a viver em comunhão com ele. Mas como muitos sentimentos às vezes é preciso somente um pequeno esforço, aquela mão estendida que diz tudo, do perdoa ao eu te amo, para que raízes comecem novamente a se criar na terra que ficou seca.
Então eu estendo a mão e espero, sabendo que cada passo que dou é um a mais em uma estrada sem fim, mas tão, tão amada. Nada justifica meu medo de continuar, o medo de falhar, afinal a vida é feita de fracassos, a cada um deles aprendemos melhor onde ficar o nosso pé e olhar antes de fincá-lo para nos certificar que não é em um monte de estrume.
Então começo novamente e peço a teimosa da inspiração que venha, tenho algo para ela, está bem aqui, escondido em minha manga.
2 de fev. de 2011
Atos de amor (ou "A droga das batatinhas")
As pessoas esperam grandes gestos como atos de amor quando na verdade são os pequenos gestos que importam. É fácil alugar um balão com EU TE AMO impresso em letras garrafais, o difícil é dizer eu te amo para alguém adormecido em um sussurro todos os dias. É fácil comprar um diamante montado em um belo anel de ouro, o difícil é cuidar das pequenas necessidades diárias que consomem tempo e energia. É fácil prometer compreensão, dedicação, fidelidade, o difícil e cumprir com sua palavra. Para mim o que vale, no final das contas são aqueles gestos que passam despercebidos e que na verdade dão tanto trabalho e custam enorme dedicação. Talvez a melhor maneira de me fazer entender é dizendo que amo batatinhas. Fritas ou assadas bem tostadas no forno são minhas preferidas. Mano urso e eu sempre dizemos para a Mama que nunca se pode fazer batatas demais. N-U-N-C-A. E assim chegamos a mil almoços de domingo e travessas recheadas de batatinha que eu e Mano urso vamos sistematicamente mastigando com prazer. Ao fim sobram umas poucas que nós, já exaustos pelo ataque, vamos garfando uma a uma quando o desejo pelos outros pratos já acabou há muito tempo. E eu paro. Paro antes que meu desejo pelas batatinhas acabe, antes que esteja saciada, antes que a gula pare de resmungar. Paro porque deixo para ele as ultimas. Sempre. Pode rir se quiser, achar que é simplificar muito um ato de amor, mas é um ato que repito a cada dia que as danadas das batatinhas estão à mesa e que me custa alguém esforço e muito prazer ao ver como ele fica feliz ao abocanhá-las. Então, se pretende demonstrar seu amor, comece pelas batatinhas. Quando depois de mil batatinhas você ainda estiver disposto a se privar do prazer pelo prazer de outro ser, então sim, vá lá e alugue a merda do balão.
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6 de nov. de 2010
A good day
O motor ronca macio enquanto navego pelas ruas. Parece ser aquela hora onde todos resolvem que é tempo de se preparar para a noite, mas ainda é dia, o sol ainda se põem e a brisa suave entra pela janela trazendo a garoa fina e mais que agradável. Acabei de deixá-lo em casa. Mais uma tarde de risadas, companheirismo e uma amizade que parece, quase como um milagre, se tornar ainda mais solida, como se o tempo nos tornasse gêmeos e a ponte de pouco mais de um ano já não existisse. Outro bom dia. Estendo a sensação de satisfação ao máximo, dias bons devem ser bem vividos da maneira certa, respirados calmamente e ingeridos com aquele satisfação que somente um prato bem preparado produz. E assim vago pelas ruas que amo sem destino, saboreando as ruas vazias, ouvindo as musicas que gosto, cantando com elas, respirando o sábado com alivio. Logo, espero que logo, todos dias serão assim, dias vividos com prazer. Enquanto isso acelero suavemente e rio sozinha, o sol pode ter se escondido, mas ele ainda brilha dentro de mim.
5 de nov. de 2010
Foi o cheiro da chuva no asfalto que me levou à janela. Não foi o vento, nem mesmo os relâmpagos que amo, nem minha alma agitada que parece não caber em meu peito. Foi o cheio a chuva no asfalto. Não é tão bom quanto a terra recém molhada, mas é quase tão bom. É o fim perfeito para o dia imperfeito. Abro a janela e respiro os pingos ainda gentis até que me vejo coberta por essa fina camada de chuva que refresca minha pele e acalma minha mente que ameaçava uma insônia rancorosa. O vento se apressa, sabe lá onde vai, parece correr dando voltas, jogando o que vê pelo caminho para o ar. As gotas agora são grávidas, pesadas e brincalhonas. Batem no vidro tentando acordar quem esteja dormindo, perseguem os que andam pelas ruas com suas risadas de fadas madrinhas e pipocam pela rua ainda quente pelo dia de sol fazendo com que suba até mim o cheiro da chuva no asfalto. Posso dormir agora, o que me incomodava foi lavado de mim, varrido pelo vento e jogado em algum canto do mundo onde não mais me perturba. Só o que resta são as noticias boas, os planos para o futuro e uma ansiedade sadia que nada tem a ver com preocupação, mas sim com antecipação. E tudo porque senti o cheiro da chuva n asfalto. Somente pelo cheiro da chuva no asfalto.
20 de out. de 2010
A Cidade
O que se costuma fazer ao sair do escritório é amaldiçoar o transito, os outros seres humanos em seus carros, os transeuntes, os semáforos com soluço e a cidade de São Paulo como um todo. É o costume e completamente compreensível já que a jornada de trabalho é terrível, os chefes completamente idiotas e o salário sempre insatisfatório, mas nem sempre. Nem sempre se vê a cidade com olhos cansados. Alguns dias, como hoje, sua mente vaga tranqüila, sem estresse com a longa linha de veículos à sua frente e enquanto todos encaram raivosos o circulo vermelho no semáforo você se descobre observando as pessoas passando apressadas, mais charmosas nesse dia de sol, mas de vento gelado. Repara na longa escadaria do Gazeta onde alunos do Objetivo sentam trocando informações sobre o nada ou simplesmente dividindo um cigarro. Você vê com inveja o balcão de um café completamente lotado e quase pode sentir o gosto do espresso descendo por sua garganta. Olha para cima e lá estão vasos e mais vasos de plantas transformando um dos poucos edifícios residenciais da Paulista em um jardim botânico. Ri do rapaz de bicicleta que quase atropela um carro por se distrair com uma bunda jeitosa seguida por um par de peitos avantajados. E sem perceber, aquelas centenas de carros que antes eram um obstáculo agora são sua desculpa para apreciar uma cidade que é bela novamente porque você finalmente parou para olhá-la. E lá estava eu, presa no Viaduto Paraiso, olho para a 23 de Maio e não vejo o de sempre, vejo sim duas serpentes correndo em direções opostas, uma vermelha e sedutora, outra branca e tímida. Correm se tocando de maneira insinuante, sabendo que seus caminhos são opostos, mas que por alguns quilômetros podem ver o propósito uma da outra. A cidade é bela hoje.
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19 de out. de 2010
O Amigo
Ela ouviu a ultima reclamação com o rosto composto, a pura imagem da resignação. Era sempre assim. Ele aprontava e ela levava a culpa. Fora assim a vida toda. Desde pequena, menina comportada e tímida, se via em meio às situações mais constrangedoras pela conduta perversa deste que se dizia tão seu amigo. “Vou estar sempre ai seu lado.” Ou “vamos ser unidos para sempre” ou “só você parece me ver como sou” ele sempre dizia estas coisas e a convencia que juntos eram melhor que separados, que unidos eram mais fortes, que este vinculo os fazia especiais, mas não era como ela se sentia na maior parte das vezes. Lembrava-se com clareza quando ele quebrara a jarra de cristal de sua avó e a culpa acabara sendo sua já que ele como sempre se escondeu em um canto e com seu sorriso meio de culpa, meio de graça, assistindo a bronca e o castigo que se seguiu sem remorsos. Ele era assim, não exatamente ruim, mas maldoso com certo charme. E ela sempre o perdoava. E ele sempre voltava a aprontar como se para sempre estivesse na infância.
Ela cresceu e seguiu o seu caminho. Ele a seguiu. Como sempre. Parecia incapaz de viver sem a sua presença e também parecia incapaz de viver sem atrapalhar cada passo de seu caminho. A seguiu pela faculdade, roubando seus trabalhos, escondendo seus livros, a atrasando para encontros, a embaraçando nas festas a fazendo beber demais e quase a fazendo perder a própria formatura. Tentou mudar de cidade, arrumou um emprego e tentou a tal vida nova que tantos experimentam e dizem maravilhas, mas não passou muito tempo antes de ele chegar de mala e cuia e se instalar em seu quarto de hospedes tornando sua vida absolutamente impossível novamente.
Sentia muitas vezes que sua vida pertencia mais a ele que a si mesma. E ele a usava sempre da maneira errada. Tentava ajudar, ou dizia que o fazia, como no colégio quando dizia que explicaria à professora que fora ele que perdera seu livro, mas se esquecia e ela acabava levando pontos negativos. Ou na faculdade quando se prontificava para entregar seu trabalho e ela descobria, muito depois do prazo vencido que ele o esquecera em cima da geladeira. No trabalho era ainda pior, vinha com seu animo contagiante dizendo que ela relaxasse e fosse tomar uma cerveja com os amigos que ele revisaria seu relatório e no dia seguinte ela tinha que encarar um diretor furioso com um relatório onde nenhuma conta fazia sentido.
Procurou um terapeuta para tentar lidar com o fato de ser incapaz de mandá-lo embora. Foram muitas sessões, mais do que ela julgou serem preciso para lida com seu apego a ele, mas um dia seu terapeuta pareceu mais serio que de costume e em vez de sua posição relaxada, sentava na beira da poltrona como se hoje fosse ele que precisasse desabafar.
“Doutor, o que é? O senhor parece ter algo importante a dizer.”
“Na verdade tenho. Você vem me ver há um ano e já tentei, indiretamente, de todas as maneiras lhe dizer o que acontece com você, mas parece que você sempre deturpa o que falo para que se ajuste à sua ilusão. Preciso agora ser duro e direto com você e quero que escute bem.”
“ Sempre escuto, doutor.” E se preparou para o que quer que viesse.
“Minha cara, você tem um amigo imaginário.”
Ela ficou muito quieta olhando para ele como se estivesse na verdade há quilômetros de distancia. Olhou para as mãos. Recostou-se. Coçou a cabeça e disse.
“Então, doutor. O senhor precisa me ajudar com meu amigo. Hoje ele entregou todas minhas contas erradas e quase fui demitida. Não sei mais o que fazer com ele. O que o senhor acha?”
“Acho que precisamos de mais sessões, minha cara.”
** Em homenagens a minha querida amiga Luciana que tem um amigo imaginário muito atrapalhado.
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4 de out. de 2010
Alex
A tristeza exige ser sentida, vivida, mastigada e ingerida até a última gota. Damos muitos nomes a ela, depressão, ressaca, mal humor, mas no fim é somente a maldita tristeza que veio nos prestar sua visita. Ela é como aquela tia velha, meio inconveniente, enrugada, mas que nos dá uma sensação de reconhecimento, sangue de nosso sangue, que mesmo contra a vontade nos deixa um vazio quando parte. Não há nada de errado em senti-la, ela existe para que saibamos o que é ser feliz, que muitas vezes é somente a ausência dessa tia que nos belisca as bochechas e solta gases no meio do jantar de família.
O que chamamos de depressão nada mais é que uma TPM do espírito, é quando nossa mente está “naqueles dias” e dramatiza tudo. Cada gesto parece exagerado, cada palavra um ataque pessoal e os minutos se arrastam em uma cena de novela mexicana eterna. Eu sei. Estive lá muitas vezes. Não vou minimizar a coisa e dizer para você simplesmente sair dessa porque não é assim que funciona. Não é a toa que essa TPM de espírito baixa como caboclo em centro espírita. Algo está errado, fora do lugar, incomodando. Nem sempre se descobre o que é, nem sempre é obvio, às vezes é somente insatisfação pelo rumo de nossa vida, outras porque olhamos fundo nos olhos das pessoas a nossa volta e não as reconhecemos, como se descobríssemos de repente que o que queremos não está ali. Às vezes é o inicio de uma nova era e essa TPM é na verdade um aviso para que se prepare para chacoalhar seu traseiro.
É fácil falar, sei eu que sempre falo demais, mas é tudo verdade. Nada é eterno, nem a tristeza do momento, nem a inocência do passado e muito menos a sabedoria do futuro que acaba sempre afogada em lembranças da infância quando ficamos velhos. Isso vai passar. Eu juro.
Escrevo isso como um beijo de mãe, aquele que se dá no joelho esfolado de uma criança. Não é um remédio, mas lembra como a dor parecia diminuir? Lembra como, sentado no colo materno, ouvia as palavras tão usadas, mas que consolavam e aliviavam sua dor? É isso. Esse é meu beijo, minha canção de ninar, meu sopro depois do mertiolate, meu eu te amo.
Estou aqui. Como sempre. Shhhhh, já vai passar, vou assoprar para não doer, vou cantar para você dormir. Shhhh.... Dorme nenê. Não há nada embaixo de sua cama. Estou aqui. E te amo.
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31 de ago. de 2010
Love
Talvez a inabilidade de estar perfeitamente contente enquanto sozinho seja o grande mal dos nossos tempos. As pessoas parecem sempre em busca de algo, mas nunca sabem exatamente o que, imaginando que o tal Santo Graal esteja entre a multidão, no meio de uma pista de dança, no fundo do copo de bebida na mesa de um bar. Na verdade o Santo Graal de nossos tempos é o estar feliz sem causas externas. É o aceitar que o mundo é imperfeito, que as pessoas são mais imperfeitas ainda e que nada mudará enquanto não soubermos exatamente quem mora dentro de nós. Esperar por apoio, carinho e amor não é errado, mas viver dependendo dos sentimentos alheios o é. Não recebemos amor porque esperamos e nem mesmo porque merecemos. Amor é um acaso que podemos somente rezar que nos aconteça. Para os que tem sorte ele vem mais de uma vez, pois amores eternos acontecem somente nas paginas dos romances e na película dos filmes. Amamos de varias formas, com varias intensidades sem nunca saber se o que estamos vivendo durará o suficiente para saciar a nossa sede, mas amamos mesmo assim. Jovens somos paixão pura, precisando dividir nosso ar, nossa pele, nosso desejo com outra pessoas, seja quem for, aonde for, como for. Não selecionamos, somente sentimos e nos entregamos sabendo que o amanhã nos trará outros sabores para que possamos construir nosso banco de dados sensorial. Com a idade selecionamos conforme padrões impostos ou, se temos sorte de sabermos o que queremos, segundo os desejos de nosso coração. Passamos a vida procurando, de uma maneira ou de outra, seja para satisfazer a pele, o cérebro ou o coração. Caímos e levantamos para novos braços sem pensar que o que precisa ser entendido e amado está mais próximo do que pensamos.
Vejo e ouço todos os dias as historias daqueles que buscam e nunca os ouço dizer como passaram momentos calmos e relaxantes na própria companhia. Sorrio do alto dos meus quase 50 anos e tenho vontade de avisá-los que enquanto não gostarem da imagem refletida no espelho dificilmente encontrarão quem ame a pessoa alem da imagem.
Mas o erro é meu ao querer dar ao inocente o caminho fácil, é impossível chegar a se amar e aceitar a solidão tão necessária ao meu coração sem passar pela vida como passei. Sem o desejo que saciei, sem os amores que vivi, sem os romances inconseqüentes que bebi em doses extravagantes, sem as dores quase insuportáveis que moldaram minha alma, os erros que demorei a me perdoar, as aventuras que ainda respiro e a calma que se segue aos anos torturantes da juventude. É preciso viver para saber e é preciso saber para procurar.
Então aqui vai meu aviso para que saiba que o caminho é árduo, mas o túnel tem sim um fim. Não deixe de viver, mas viva procurando mais dentro de si do que à sua volta. O segredo não existe, está somente toldado por hormônios exigentes e corações rebeldes. O segredo é que você deve amar sua própria companhia para que os outros queiram partilhá-la.
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28 de ago. de 2010
Sexo Frágil.
A mulher trilhou um longo caminho para atingir a liberdade e tudo começou bem antes de se queimarem sutiãs em praça publica. Desde que deixamos de grunhir, e descobrimos o fogo para o churrasco e a roda para o automóvel nos levar ao cinema, sempre existiram mulheres que lutaram por um lugar melhor no mundo, que lutaram por diminuir a diferença de tratamento profissional entre os sexos, que lutaram por mostrar que apesar de parir, cozinhar, passar e muitas vezes cuidar de um marido inútil, ainda eram capazes de trabalhar como verdadeiros machos, ocupando cargos de destaque, decidindo o destino de empresas e enchendo seus cofrinhos com suadas notas bem empregadas em fundos de investimento. Éramos uma raça decidida a ocupar o topo apesar de nossa fraqueza. Lidávamos com nossas cólicas menstruais estoicamente, escondendo o desconforto e a dor por trás de um sorriso. Lidávamos com a dupla jornada com brio, sabendo que se quer bem feito faça você mesma. Não pedíamos que nossos homens dividissem igualmente o trabalho caseiro, pois sempre soubemos que não nasceram com nossa habilidade nata de lidar com um milhão de coisas ao mesmo tempo e ainda ter tempo para colocar uma lingerie e o seduzir após as crianças terem embarcado no expresso de Morfeu. Éramos rainhas, guerreiras, cortesãs, mães, filhas, esposas, profissionais e meninas. Éramos tudo e o mundo era um mistério a ser resolvido, destrinchado, explorado até que finalmente chegássemos ao ápice da igualdade. Que nunca veio. Hoje, infelizmente, parecemos mais fracas do que antes. Cólicas viraram desculpas para trabalho mal feito, a maldita TPM motivo para más decisões e perda de compostura, filhos e marido desculpas para faltas e atrasos. Sinto-me só quando, de espada em punho, tento manter o forte seguro. Onde estão minhas companheiras que queriam ser objeto de admiração por sua capacidade, inteligência e graça? Onde estão aquelas que sabiam como colocar suas vidas, profissional e pessoal, numa balança e mantê-la equilibrada? Estou à espera, mas a cada dia meu braço pesa mais e a espada cai um centímetro. A porta do forte já parece pronta a ruir e somente posso pedir que aqueles que me encarem quando a ultima barreira cair o façam com admiração, olhando para mim como mereço, por ter me comportado com bravura sem sexo, com paixão sem medo e por ter ignorado, nessa longa jornada, que sou do sexo frágil.
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22 de ago. de 2010
Talk
Eu gosto de conversas que voam. Você nem sabe como chegou a um assunto e já descobriu outro para partilhar. Historias se cruzam como espadas, piadas pipocam no meio de dramas compartilhados, verdades são ditas com sorrisos satisfeitos e pequenas mentiras vêm acompanhadas de olhares divertidos. É muito difícil achar parceiro para esses embates, quase impossível. Parece que cada vez mais as pessoas desaprendem a arte de simplesmente conversar. Me pego muitas vezes tentando essa troca de idéias e cada vez mais vejo que somente eu falo e que me encaram com olhos vagos, bocas sem respostas, cérebros emperrados por falta de uso. O engraçado é que estas mesmas pessoas com quem consigo dividir palavras sem fim são as mesmas que me deixam mais confortável se escolho o silencio. Os estúpidos também não entendem o silencio, parece reverberar pela câmera vazia de seus crânios os incomodando imensamente. E há tanto o que se dividir... Livros que leu, experiências, constrangimentos, historias de família, lugares visitados, pessoas interessantes, filmes, idéias, conceitos, sonhos. Há muito o que se dizer, muito sobre o que conversar, infelizmente as pessoas parecem ter perdidos as palavras, esquecidos de como transformar suas idéias em algo inteligível e interessante. O mundo está emburrecendo de maneira assustadora e parece que ninguém se importa. Pelo menos tenho meu “conversador” sempre à mão e depois de 5 dias entre acéfalos sou brindada com um fim de semana onde mesmo o silencio é prazeroso. Thank you, brother Bear.
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21 de ago. de 2010
Night
Tantas janelas… São mais do que posso contar sem me perder em historias de vidas que desconheço. A musica das ruas ainda é forte, carros indo e vindo com propósitos desconhecidos, mas imagináveis, afinal é sábado, dia em que todos se sentem obrigados a achar diversão mesmo que isso os ponha com os nervos a flor da pele. Mas ainda é cedo e as janelas estão todas acesas, sombras vagueiam por trás das cortinas, cheiro de sanduíche no tostex, pipoca com o som do filme das nove, risadas em grupo antes da balada. E eu espero. Espero pela madrugada quando posso ouvir no vento o som da folha sendo carregada para longe de sua arvore, onde posso sentir o ar ficando mais puro, os sons abafados pela mortalha da madrugada. Espero pelo momento em que as janelas se tornam retângulos negros e somente uma em cada cem se ilumine com a tela de uma TV ou um abajur suave que ilumina as paginas de um livro. Espero pelo momento onde é mais fácil de imaginar um mundo onde deseje viver, onde por trás das janelas existam pessoas com anseios iguais aos meus e que desejem algo alem do obvio. A noite é a cobertura perfeita para os sonhos, tudo parece possível e o impossível é quase palpável. E espero. Espero o momento que as estrelas sussurrem meu nome e a lua brilhe com mais intensidade deixando um rastro no céu que, como um espelho, reflete a cidade em que desejo morar. Espero.
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18 de mai. de 2010
Observações
A filha da senhora do 4º mora no 16º, mas é a senhora do 4º que passeia com o pequeno cão dela, isso quando não está passeando com o seu que é velho e mal humorado. A senhora do 4º é argentina, acho, e tem a disposição inversa ao seu cão. A moça do 10º usa saltos mesmo depois que chega em casa. Eu a ouço andar sem parar pela casa, tec tec tec, e me pergunto se ela não tem uma havaiana ou se gostaria de uma. Ela também gosta de arrastar moveis às 3 da manhã e eu a sigo de olhos no teto fazendo pequenas sugestões “A cama não fica bem ai, vire ao contrario e ponha a mesa do computador embaixo da janela.” O rapaz da cadeira de rodas mora no 8º, sempre é simpático mesmo quando o elevador lota e alguém quase cai em seu colo. A grávida do 13º tem dois cães e sempre comenta as musicas que escuto quando chegamos à garagem juntas. O senhor do 2º parece julgar que todos são possíveis seriais killers ou ao menos batedores de carteira. Minha vizinha, 9º, tem duas filhas, uma neta e o Chico, seu cão, que parece ter sempre algo a me dizer quando entro e saio de casa. Os jovens do 5º adoram futebol e graças a Deus torcem pelo time certo, pois do contrario suas comemorações escandalosas incomodariam. A jovem do 11º é antipática, talvez a saia muito justa e curta esprema seu cérebro. O garoto do 3º gosta de bola e de mais dois amigos. A mãe do 15º deixa o filho mais novo se vestir para ir a escola o que resulta em uniforme, óculos escuros e boné do Tigrão ( amigo do urso, não o meu irmão, mas o Puff) com orelhas e rabo. Mãe e filha do 17º pensam são melhores que os outros moradores somente por morarem no último andar, a senhora do 4º me assegura, pela careta que lhes faz pelas costas, que isso não é verdade. A cadela do 10º, algo entre um labrador negro e um vira-lata, ama me ver no elevador, alias ama qualquer um que fale com ela e coce ali bem atrás da orelha. O basset do 5º está velho e não quer papo, uma vida inteira olhando para a canela das pessoas deve tê-lo cansado. O porteiro da tarde gosta de papo, o da manhã gosta de acenos, o menino que tira o lixo gosta de pedaços de bolo na sexta-feira, o porteiro da noite olha com inveja para as caixas de pizza, o zelador instala lustres, chuveiros, varões de cortina e sempre cobra metade do preço que cobrariam por ai. Às vezes o elevador tem problemas. Às vezes os dois elevadores têm problemas. Às vezes falta luz, mas a subida pelos nove andares é sempre divertida. Os passos acima da minha cabeça me dizem que é hora de começar a relaxar e preparar o corpo para outro dia. Boa noite.
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