30 de ago. de 2008

Até breve, Magali


Minha ursinha, perder você é mais um prego cravado em meu coração. Não sei o que resta, resta pouco eu sei. Cada dia tenho menos do que amo e isso me assusta, pois para o que se pode viver senão para quem se ama? Já sinto falta do seu jeito quieto e seus olhos de chocolate. Apesar de ser em outros pés que sempre se aninhava, são os meus que sentem falta do seu calor. Não sei o que aconteceu e peço perdão se deixei que algo te fizesse sofrer. Sinto-me indefesa e impotente perdendo meus mais amados companheiros sem aviso. Culpa minha? Destino? Que destino pode ser tão perverso de me negar mais uns anos de felicidade? Minha ursinha, você foi mais uma luz a iluminar a vida sem graça e mais um motivo para que eu continuasse voltando para casa noite após noite. Seja doce com seu pai e seu filho que a esperam no paraíso, sei que a receberão com latidos e abanos de rabo de felicidade. Eu fico aqui, cuidando de sua mãe, irmão e filha e somente digo: Até breve. Cuida bem de mais esse pedacinho do meu coração que se quebrou e me devolva quando nos encontrarmos novamente.
Te amo,
Mamãe

24 de ago. de 2008

Máscaras


Para mim é difícil não observar as pessoas. É como se eu precisasse estudá-las constantemente para entender para onde o mundo está indo. E ele está indo para o buraco. Não é só no rosto que podemos ler quem realmente são aqueles à nossa frente, mas também na postura de seus corpos. Infelizmente, cada vez mais, cada expressão e gesto é estudado. Estudado demais para meu conforto. Não é somente naqueles primeiros momentos, onde todos usamos nossas melhores máscaras para passar uma boa impressão, que vejo dissimulação, é como se todos de repente quisessem ser atores num mesmo cenário. Gestos naturais são cada vez raros e relacionamentos completamente honestos ainda mais. Quando olho à minha volto vejo máscaras e as imagino ressecadas e quebradiças ao sol mostrando a verdade que ninguém quer revelar. O que tanto escondem? Porque poses e bocas e gestos estudados? Será que já não temos face para mostrar? Porque ser político é mais importante que se ser honesto? Onde está a verdade em esconder nossa aversão ou amor? Acho que não nasci para um mundo onde se é preciso ensaiar cada frase dita. Não sou cautelosa o suficiente para pesar minhas palavras a todo o momento, minha sinceridade brusca está desatualizada, meu humor acido está condenado. Mudar? Nem pensar. Em duas semanas chego aos 45 e se a idade te dá algo é a rara oportunidade de se aceitar mesmo que o modelo esteja gasto. Alguém disse que nunca mudamos, somente nos tornamos cada vez mais o que somos. Essa sou eu e deixo as máscaras para os que têm o que esconder. Prefiro meu rosto ao vento, meu humor negro e meus sentimentos claros. Que seja. Desatualizada ou não aqui estou. Sem máscaras.

19 de ago. de 2008

A Janela

Começa tudo de novo. A janela aberta me mostra o ultimo andar da academia onde pessoas já cansadas perdem as poucas gramas ganhas em seus almoços. O calor volta e não me dá muito prazer. A não ser pela janela aberta.... Por ela entram sons e odores do mundo que me cerca e não me sinto isolada como quando o inverno me torna prisioneira de meu quarto. Alguém está queimando um sanduíche no tostex, conheço o cheiro, sei que vão ter que raspar a crosta queimada, mas o queijo pelo menos estará derretido. Os carros estão parados nos faróis, escuto as buzinas nervosas e sinto a frustração de seus motoristas na pele. Sei como é ficar presa em ruas sem fim enquanto o santuário de nossa casa parece nunca chegar. As arvores... quanto tempo não as aprecio? Quantos meses de noites olhando para a janela cerrada que me esconde as estrelas e me nega a brisa? O verão parece ter chegado meses antes do tempo e não me agrada, a não ser pela janela aberta. Ver o topo das arvores e sentir a brisa suave me ajudam a sonhar com lugares que há muito não visito, quase posso sentir o cheiro do pasto e ouvir o rugir da cachoeira que embalava tantas noites em tantos fins de semana. E me pergunto... O que seria de mim sem a memória? De onde viria a força para os tempos áridos, os verões impiedosos e os invernos de janelas fechadas? Começa tudo de novo, o bafo do metrô, as roupas que se grudam em meu corpo suado, o cabelo que cai sem jeito como se cansado, o rosto que parece sempre vermelho pelo esforço. Mas a janela, essa moldura para meu mundo noturno, essa porta para meus sonhos, está aberta e, pelo menos por agora, é somente o que importa.

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15 de ago. de 2008

Os Pescadores de Perolas


Eu sei o eu vai acontecer, claro que sei, não é assim todo mês? Não me esgueiro pelos cantos, antes de ir para casa, para me dar o prazer de uma espiada disfarçada pela xícara de expresso? Eu sei o que vai acontecer.
Ele sempre me conta um pouco, cantarola uma ária enquanto com mãos expressivas conduz uma orquestra imaginaria. Ele sabe que amo o que faz e o que faz é me dar mais sonhos para sonhar. Quem pode recusar quimeras quando o mundo é um deserto árido e claustrofóbico repleto de seres sem imaginação? Durante o almoço observo enquanto corrimões são envolvidos em redes e tecidos diáfanos despencam do teto de concreto, sorrio por cima de minha alface pensando “Ah, Iacov, o que virá?” Termino o dia com a excitação que somente estas quintas-feiras me dão. Desço já com meu sorriso a postos, pois sei o que vai acontecer.
Uso de minha posição privilegiada de funcionaria para entrar de fininho no que horas antes era uma cafeteria. Os corrimões sumiram, a galeria evaporou, a livraria se encontra perdida em brumas, do nada escorrem fios de brilhantes e perolas que quase roçam minha cabeça. Ignoro as cadeiras, pois para mim não existem assim como o corrimão e a galeria. São somente espectadoras, como aqueles que nelas se sentarão, do drama que logo irá se desenrolar.
Olho o relógio, fumo um cigarro, olho o relógio, tomo um café, olho o relógio, recebo algumas pessoas, olho o relógio, fumo mais um cigarro, olho o relógio, entro e me sento, separada por uma coluna, daquele que é o mestre da musica.
Eu sei o que vai acontecer. A voz querida apresenta o mestre da musica, que me lembra sempre um duque ou conde ou seja lá que titulo que leve as pessoas a querer se curvar e dizer “Sir!” Sua voz imediatamente me transporta para muito longe, tão longe que me esqueço a que mundo pertenço. A musica começa, o que dedilha o piano o faz com maestria e os que juntam suas vozes ao instrumento provocam arrepios em minha espinha. Quando mexo meus pés sinto areia sob eles, quando viro meu rosto sinto a brisa do mar e o grito dos pescadores de perolas voltando para casa ecoa em meus ouvidos.
Tudo termina rápido demais. O amor sobreviveu à intriga, mas não sem pagar um certo preço em sangue. Não é sempre assim? Eu já não sabia que seria assim? Mas o que importa, pelo menos para mim, é que mesmo sabendo o que vai acontecer, mesmo sabendo que por trás da bruma se encontra todo meu cotidiano, ainda saio com o coração leve e agradecido. Trago para casa uma perola que pescador nenhum poderá me dar, a lembrança de mais uma noite mágica com Iacov Hillel e Mauro Wrona. Obrigada.


Pescadores de Perolas no Centro da Cultura Judaica, Domingo, 17/08, 19h00.