30 de jan. de 2007

A cigana disse...

Ela vivia reclusa há muito tempo. Muito, muito tempo. Afastara-se do mundo por um motivo e com um propósito. O motivo fora o de poupar à entes queridos a dor de vê-la morrer e o propósito fora encontrar a paz que durante 40 anos nunca encontrara. Hoje ela completava 40 anos e estava em paz, mas não podia negar uma certa irritação pela serenidade prolongada. Sua vida, dos 18 aos 40, havia sido uma roda viva, cheia de surpresas, descobertas, sucesso, decepções e desespero. A tensão constante para permanecer no topo, em uma carreira onde cães raivosos seriam considerados mansos, a jogava em noitadas loucas e em braços masculinos preparados somente para usar e nunca para cuidar. Com 30 anos já estava cansada, rica, mas incrivelmente cansada. Não via mais graça em nada e em ninguém e nem mesmo o trabalho, que um dia a excitara, podia vencer uma depressão cada vez mais destrutiva. E então viera a festa maluca de seus amigos, misto de rave e parque de diversões. A cigana lendo mãos de executivos em jeans, altos demais para se importar com o que era dito, mas ela ainda estava sóbria e ouvira muito bem. “Você vai morrer.” Fora somente isso. Não ficou na festa, foi para casa e passou a noite acordada decidindo se acreditava ou não. Por fim pensou que se fosse verdade não gostaria de morrer sendo quem era e mudou. Fugiu. Transformou-se como borboleta. Floresceu. Na vida tranqüila que levava na chácara florida no meio do mato, teve muitos amores, os viveu cada um como se fosse o ultimo. Chorou de saudades de sua família e percebeu como nunca dera valor quando estavam por perto. Foi feliz sem fazer esforço. Sentiu-se completa. Até hoje. 40 anos e não morrera ainda. Começou a pensar nos 10 anos desperdiçados, mas hoje em dia ela já não conseguia pensar como antes e somente pode sorrir das ironias da vida. Fora enganada, mas o engodo a levara a uma vida melhor. Era feliz. Pegou sua bolsa e foi para a cidade, o parque de diversões estava lá e comemoraria seu aniversario entre rodas gigantes e algodão doce. A tenda da cigana se erguia colorida perto da entrada, como se esperasse por ela. Não podia negar o convite, não hoje. Entrou e encarou a velha encarquilhada, envolta em seus chalés coloridos e suavizada pela luz das velas. “E então, velha cigana, o que pode me dizer hoje?” A cigana tomou suas mãos e as fitou séria e concentrada durante muito tempo. Por fim a olhou e abriu um sorriso de reconhecimento e alivio. “Filha, você vai viver.” E foi somente isso. E ela viveu.

Ele é um canalha.com


O site tinha muitas utilidades. ELE É UM CANALHA! Fora criado para prestar um serviço às mulheres que se tornaram presas de homens mal intencionados. Nestes tempos onde os romances começam em sites de encontros ou chats, o numero de mulheres enganadas era cada dia maior. Claro que acreditar em qualquer informação dada nestes bares virtuais é estupidez, mas www.eleeumcanalha.com não fora criado para fazer as mulheres abrirem seus olhos e sim para estampar a cara dos que pareciam se divertir com as emoções alheias. Mas como eu disse, o site tinha muitas utilidades, afinal tudo pode ser pervertido. Mulheres desequilibradas acusavam homens perfeitamente honestos das piores barbaridades simplesmente por terem sido recusadas. Mulheres desesperadas manchavam a honra de ex-namorados na esperança de que estes voltassem para elas. Mulheres maquiavélicas acabavam com a raça de homens inocentes, belos e ótimos partidos pelo simples fato de não os merecerem. Tudo pode ser pervertido. E o era. O site tinha muitas utilidades, mas uma delas era tão misteriosa e secreta que se passou muito tempo antes que alguém se desse conta do verdadeiro motivo por trás de sua criação. Foram preciso 26 mortes até que a policia achasse a ligação por trás de todos aqueles homens. Todos tinham seus rostos estampados abaixo da tarja CANALHA no endereço cada vez mais procurado da net. E logo chegaram a ela, que muitas mulheres consideravam como gênio. A criadora. A assassina. Ela era desequilibrada, desesperada, maquiavélica e absolutamente insana. Demorou para que alguém lhe perguntasse o porque, mas não demorou nada para que respondesse. Precisava matar, ansiava por matar, mas nunca tivera um motivo, então, criara um. Era muito fácil matar um canalha. Era muito fácil matar mil. Eu lhes disse, o site tinha muitas utilidades...

28 de jan. de 2007

A Cor do Sangue

Ele não lembrava bem de quando nascera sua obsessão, mas tinha quase certeza que fora na primeira vez que sangrara. Seu sangue, derramado pela ferida aberta em sua testa, resultado do tombo prosaico da bicicleta, escorria pelo seu rosto e pingava em sua roupa como tinta de um tubo. Azul. Sua mão sempre se esquivava de suas perguntas e somente dizia que ele era diferente, mas ele sabia que havia mais. Ficava atento e lia muito, procurando por sua origem, pois estava certo que não podia ser fruto de pais tão comuns. Um dia ouviu a expressão “sangue azul” e exultou, finalmente sabia a que classe pertencia. Não entendia ainda como chegara tão longe de qualquer pais regido por reis e rainhas, mas não importava. Com tempo e disposição acharia sua verdadeira família e ocuparia o trono que tinha certeza estar destinado a ele. Mais de vinte anos se passaram em buscas infrutíferas e pedidos de entrevista recusados pelos seus pares reais. Ele finalmente resolveu que deveria ser mais agressivo e partiu para um reino onde príncipes andavam entre seus súditos pelas ruas, ao alcance das mãos e intenções de qualquer um. Ele iria provar, definitivamente e para todos verem, que merecia um lugar entre os nobres restantes do mundo. Como fera ele rondou as ruas da cidade idílica, esperando pela oportunidade, sonhando com uma nova vida. Não demorou. O príncipe desavisado, nobre de alma e porte, desceu de seu carro com sua namorada plebéia em busca de um simples sorvete em um dia quente, mas o que encontrou foi o confronto mortal com a insanidade. Ouviu com terror o balbuciar descontrolado e viu a faca que cortava pulsos de onde o sangue azul corria. Viu com terror este insano se aproximar cada vez mais dizendo “somos iguais” e a faca se enterrando em seu peito nobre e ele morreu entre pés plebeus, encharcado em seu sangue real e vermelho como o de todos nós. O louco foi preso, sentenciado e trancafiado em um lugar onde não poderia mais fazer mal a ninguém, mas até hoje se ouvem seus gritos onde apregoa seu sangue azul, prova de sua linhagem real. Seus pais, em uma entrevista, pedem perdão por nunca terem feito o filho entender que seu sangue azul era na verdade fruto de uma doença rara. Ele era realmente diferente, mas não da maneira que imaginava.

27 de jan. de 2007


Eu me prometi voltar a postar todos os dias e tão logo comecei a cumprir o combinado fui traída pelo sempre incompetente BLIG. Não é a primeira vez que me tiram do ar, ou que me fazem apagar posts sem necessidade, mas desta vez é a ultima vez. Depois de 3 meses de reclamações eu finalmente me mudei. Espero que esta casa seja definitiva e que todos se sintam bem vindos. Agradeço aos amigos a ajuda que puderem me dar em espalhar meu novo endereço, já que nem mesmo consigo acessar minha pagina ou postar minhas novas coordenadas. Entrem, sentem-se, sintam-se, como sempre, em casa, e continuemos de onde paramos, como se está sempre houvesse sido a minha cova.
Obrigada a todos.
Andréa Claudia Migliacci

26 de jan. de 2007

Não havia trilha no campo florido. Eu abria bem minhas mãos e sentia nas palmas o toque suave do mato alto e das flores que ainda estavam sonolentas. O sol logo estaria forte demais, brilhante demais para se poder apreciar de perto tanta beleza. Eu havia esquecido o sabor da solidão, passara tempo demais procurando companhia, mas ali, no canto do mundo com cheiro de eucalipto, eu não precisava de ninguém. Podia passar o dia sem dizer uma palavra, somente rolando em minha cabeça palavras soltas. O pôr do sol chegava em um manto flamejante e da cadeira na varanda eu, ao lado de alguém que aprendera todas estas coisas antes de mim, ficava muda de espanto pelo espetáculo gratuito. Está é a hora em que posso acreditar em fadas, dragões e castelos construídos sobre nuvens. O sol queimando a linha do horizonte enche a terra de mistério e constrói cidadelas de ouro em cada monte, transforma o riacho em uma serpente de lava e as sombras em figuras de contos de fada. Eu lembro bem. É para lá que vou quando meu corpo reclama da rotina estafante, é para lá que me projeto quando não consigo mais pensar em tantos problemas. Fecho meus olhos e vejo o campo, as flores frescas, o riacho murmurante, o vento cantando por entre as folhas das arvores e até mesmo sinto o cheiro poderoso e calmante do eucalipto e o toque da brisa desarrumando meus cabelos. É para lá que vou para me encontrar novamente.
O relacionamento homem/mulher nunca foi fácil. Acho que sempre foi mais homem X mulher. Somos todos criaturas estranhas e nossos sexos nos jogam em campos opostos e na maioria das vezes em planetas distantes. Podem escrever um milhão de livros sobre o assunto, mas ninguém nunca descobrirá, realmente, a formula do relacionamento perfeito. Na minha modesta opinião, a melhor maneira de se manter um relacionamento é cair na formula cansada e batida de questionar o porque de todos/as homens/mulheres serem assim. Homens adoram esportes, esquecem datas importantes, não gostam de opinar sobre moda e nem ver você experimentar 5 roupas em cada das 50 lojas de um shopping. Homens costumam ser mais diretos, não gostam de perder tempo com preliminares, de qualquer forma e em qualquer situação, parecem sempre ter pressa para chegar no fim ou ao começo. Homens não discutem a relação e se você ganha sempre as discussões é somente porque eles querem acabar logo com isso e partir para o sexo de reconciliação. Mulheres querem romance e paixão em medidas certas, lembram de seu primeiro encontro e a cor de sua cueca na primeira vez. Mulheres se enfeitam para que você as note e, apesar de muito da produção ser somente por vaidade feminina, a outra parte é um elogio à sua masculinidade. Mulheres querem mais do que sexo, querem que você diga o que sente, mesmo que ela saiba, querem que você não pare de telefonar só porque agora já estão juntos há algum tempo. Mulheres são inseguras, (mas convenhamos que a competição é grande e nem sempre justa) mas uma palavra lhes devolve a paz. Mulheres têm o poder de trazer conforto e um simples elogio pelo jantar saboroso ou a nova arrumação dos moveis é como um presente.
Mulheres e homens são diferentes, sempre vão ser. Não é natural treinar seu homem como a um cão para dar todas as respostas que você gostaria. Não é nada bom acostumar sua mulher que ela não pode esperar nada de você. Existem meios termos, mas estes variam para cada casal. Deixe que ele seja maníaco por espertos. Cumprimente-a pela sua beleza ou por qualquer talento que ela tenha. São pequenas coisas, mas são as pequenas coisas que transformam a vida.

Comfort Memories / Comfort Food


Não são somente as pessoas e situações que nos marcam. Cores, cheiros, impressões e a comida que ingerimos são também fatores marcantes. Não consigo pensar em Curitiba sem lembrar do sansichão rosado, que por mais que tente não consigo encontrar igual por aqui. Ou da gasosa vermelha, tão docinha e gelada descendo minha garganta depois de tanto brincar. Ou a cerveja caseira da tia de Vó Joana, meu primeiro porre com 11 anos e a única cerveja que apreciei nos meus longos anos. Em Monteiro Lobato cada lembrança vem pontuada dos bolinhos das festas juninas e do quentão ao redor da fogueira, sem contar os bolinhos de chuva da Ditinha em casa visita à fazenda. Ou andando pela fazenda de Lucia, com o canivete pregado ao cinto, lembro de sentar na escada que vai ao pomar e de descascar a laranja com gosto de sol e cheiro de paraíso. E também,o queijo branco recém feito, macio como pele de bebê, aninhado em colheradas de doce de leite caseiro. Mas lembro da minha casa também, a banda em seu começo, o som das vozes animadas e de Rolling Stones ou The Who repetidos incansavelmente. As piadas pontuadas pelas bandejas de pasteis que minha mão fritava como se fossemos um batalhão. Ou mais no passado ainda, as voltas de viagem, a chegada em um casa aos gritos animados e a certeza que Vó Joanna estaria nos esperando com a mesa posta e coxinhas, empadinhas, quibes e docinhos pontuariam o final de semana perfeito. Talvez eu pudesse também falar dos perfumes, mas, sinceramente, me deu fome.

It's not TV. It's HBO


Será que as boas idéias se acabaram? Vejo uma mesmice desanimadora nos meus 60 canais. As poucas boas novidades se vêem copiadas sem dó do pobre coitado do telespectador. As famosas novelas nacionais, que me recuso a assistir, parecem competir pelo enredo mais chulo. Com desespero vejo o aumento crescente do famoso reality show, que de realidade não tem nada já que mostra o pior das pessoas, pois não há ser humano na terra tão ignorante quanto aquele que participa destes programas. Parecem perder todo respeito próprio e, o pior, o respeito pelo próximo. É assim, vendo todos os dias a decadência humana e televisiva, que cada dia meu respeito e admiração pela HBO cresce. Sei que muitos não tem acesso ao canal, mas podem muito bem alugar suas séries em qualquer locadora decente. DEADWOOD, o seriado que fez da palavra “fuck” não um palavrão, mas sim um personagem a mais. Um Western tão real que você sente a lama entre seus dedos e o pó entrando pelas suas narinas. Os atores são um desfile de perfeição e me pego me apaixonando pelo pior deles, o melhor deles, o único e incomparável Albert Swearengen. Não paremos tão cedo no passado, vamos à ROMA, que não só nos mostra os últimos dias de Cezar, mas nos dá o prazer de olhar por trás da cortina do grande Império. E novamente me apaixono por simples mortais, ao invés dos poderosos, e Lucius Vorenus e Titus Pullo disputam meu coração aos pés do Coliseu. Mas você pode não gostar do passado e então pode se envergonhar do comportamento errático e completamente neurótico de Larry David em CURB YOUR ENTHUSIASM. Mas você pode ser muito jovem e então se jogue em ENTOURAGE acompanhando um belo astro à caminho da fama e sua trupe de amigos nada famosos. Se você gosta de ação e violência, viaje com OS SOPRANOS pelos becos e segredos da máfia e não tenha medo de se apaixonar por eles, o resto do mundo já caiu aos seus pés. Ou embarque em EXTRAS e siga a carreira de um pobre ator em inicio de carreira se sujeitando às mais absurdas tarefas como extra em busca do estrelato. Pode também tentar se infiltrar na investigação de THE WIRE, nas palavras de mano Urso, o melhor seriado dos últimos tempos. Por fim, vire fanático pela rede que não tem medo de ousar e que acredita que o telespectador ainda tem cérebro.

Era uma vez... a assassina

A primeira vez foi como todas primeiras vezes. O choque seguido do medo seguido rapidamente pela excitação. A adrenalina parecia bombear sangue para lugares inexplorados de seu corpo e ela se sentiu mais viva do que nunca. A primeira vez não foi planejada. Nunca nem lhe passara pela cabeça ser capaz de tal ato, mas como todo animal ela fez o que era preciso para preservar a própria vida. Ela matara. Um ato que qualquer júri perdoaria. Autodefesa. Uma vitima nas mãos de um estuprador violento. Mas nunca ninguém soubera que o corpo sem vida do tão procurado assassino perdera sua vida com sua própria arma nas mãos de sua vitima. Ela escondera seu rastro, apagara qualquer vestígio e tentara voltar para sua vida. Foi impossível. A mesma energia poderosa que a tomara naquela noite fatídica, insistia em voltar quando se sentia minimamente ameaçada. Não demorou para que seu sangue bombeasse com tanta força por seu corpo que tornava impossível ouvir qualquer voz razoável que gritasse em seu cérebro. Ela matou de novo. E de novo. E novamente. Já não sentia o choque ou o medo, mas também não sabia mais a diferença entre o perigo real e o imaginário. Sua mente queria que houvesse motivo para mais uma morte, portanto ela via em cada sombra uma emboscada, em cada figura masculina um estuprador, em cada contorno feminino uma inimiga. Logo nada sobrou de quem ela fora um dia. Logo sua vida passada parecia como uma estória de fadas. Era uma vez uma mulher que não sabia matar. Era uma vez...